«Se o aluno se esquece da informação depois de “despejar” tudo no teste, a culpa não é de essa informação ter sido memorizada.»
Ouvimos frequentemente afirmar que os alunos memorizam muita informação para despejar nos testes, informação que depois esquecem. E que isto não é aprender, porque para aprender precisamos de compreender e não de memorizar. Este mote de tão repetido tornou-se um dogma e sobre os dogmas não há nada a discutir nem a refletir. Mas, neste caso, há.
Memorizar, diz o dicionário, é reter, fixar na memória. Se há um conceito novo introduzido numa sala de aula, ele tem de ter um nome novo para o aluno, um termo técnico que designe esse conceito novo. Por exemplo, as medidas de comprimento – o quilómetro, o hectómetro e o decâmetro – são termos novos para o aluno. Ele memoriza os nomes destas medidas e os símbolos que os representam. Como? Repetindo: dizendo ele e ouvindo dizer a outros. Repetindo como? No próprio processo de manipulação mental destes conceitos sempre que faz exercícios de conversão de medidas. Por quanto tempo vai reter essa informação na sua memória? Depende do facto de precisar no futuro dessa informação ou não.
Mas então o problema está obrigar-se os alunos a decorar. Consideremos que decorar também é memorizar só que de uma forma irrefletida, automatizada. Mas quem é que pode negar que o decorar prepara terreno para outras operações cognitivas não automatizadas? A tabuada é fundamental ou não é para se poder fazer cálculos mentais? A tabuada dá os blocos de construção fundamentais sobre os quais vão assentar outros tópicos de saber: as divisões, as frações, a álgebra, etc. Outro exemplo: em línguas, o aluno tem de decorar palavras novas e a sua ortografia correta se quer ler um texto na disciplina de inglês, por exemplo. Ninguém tem dúvidas disto, penso seu.
Para que aquilo que fixamos na memória fique lá é preciso que a informação memorizada seja repetida. É assim que se desenvolve a memória de longo prazo. Para isso, o aluno tem de manipular essa informação, usá-la, repescá-la de várias maneiras e feitios. Esta repetição não é apenas a criança dizer a mesma coisa várias vezes nos mesmos contextos, é fazê-lo sim mas em diferentes situações. Basta o professor perguntar a mesma coisa de maneira diferente ou recorrer a outro enquadramento em que essa informação tem de aparecer.
Se o aluno se esquece da informação depois de “despejar” tudo no teste, a culpa não é de essa informação ter sido memorizada. Isso acontece, porque simplesmente essa informação não lhe é pedida vez nenhuma depois do teste – e aí o problema está noutro lado: no ensino atomizado, desgarrado, tresmalhado de tópicos, talvez. Mas uma coisa é certa, memorizar não é distinto de compreender; não é distinto de aprender. Dizer palavras e frases que não compreendemos não é memorizar, nem é decorar, é antes uma doença: chama-se psitacismo.
Apontamento de Ana Sousa Martins, coordenadora da Ciberescola da Língua Portuguesa, para a rubrica "Cronicando" do programa Páginas de Português, (Antena 2, 9/12/2018).