A intenção do Ministério da Educação [de Portugal] de reduzir os exames nacionais no ensino secundário é um passo no mau sentido. E um péssimo sinal vindo de uma equipa ministerial que, com destaque para a ministra, tinha até ao momento dado boas indicações. É que, gostemos ou não, a realização de exames é, quando correctamente aplicada, um instrumento importante para melhorar as aprendizagens e tornar menos aleatório o sistema de acesso ao ensino superior.
Como tudo na vida, os exames não são um instrumento perfeito. Por vezes bons alunos têm más prestações porque estão num dia mau, outras vezes ocorrem distorções na aprendizagem induzidas pela exclusiva preocupação de preparar para os exames. Mas estes eventuais defeitos não permitem que se esqueçam todas as vantagens que os exames têm.
Na verdade, quem quer que tenha passado pelos bancos da escola (e depois da universidade) sabe que sem provas de avaliação rigorosas não existe estímulo para se estudar com afinco e determinação nem é possível comparar os alunos entre si. Sabe que outros métodos de avaliação (trabalhos individuais, trabalhos de grupo, participação nas aulas, etc.) são importantes mas não substituem aquilo que só se consegue quando se colocam os alunos perante uma folha em branco onde devem colocar as respostas a um questionário. Não se consegue que eles ganhem hábitos que serão sempre fundamentais ao longo da vida: ler; compreender; memorizar; exercitar; sistematizar a informação; fazer resumos; associar conhecimentos; voltar a ler; verificar a boa memorização; treinar novas respostas a novos problemas.
Muitos estudantes preferem outras formas de avaliação e dizem que aquilo que decoraram para um exame se esquece poucas horas depois da prova prestada. É uma ideia errada. Daquilo que se estuda fica sempre alguma coisa mesmo depois de se julgar ter esquecido tudo. Quanto mais não seja, fica o conhecimento sobre onde encontrar a informação que eventualmente se perdeu nos recessos da memória. E fica o treino do trabalho, o hábito do exercício, o saber como memorizar e como sistematizar a informação.
Mas se isto é, de uma forma geral, válido para qualquer exame ou prova de avaliação, no caso concreto do português – uma das disciplinas que deixarão de ser obrigatórias no 12.º ano – custa a crer que se defenda que este é menos importante se o estudante não quiser seguir um curso na área das literaturas. Tal só pode advir de uma terrível cegueira e de um tremendo desconhecimento sobre o estado em que os jovens já hoje entram na universidade. Ou mesmo das dificuldades que mostram no manejo da língua quando saem destas.
Sejamos claros. O país tem um problema grave de iliteracia matemática e é frequente encontrar estudantes universitários que não sabem a tabuada dos sete ou são incapazes de dizer intuitivamente se três quartos é mais ou menos do que, por exemplo, cinco oitavos, algo que deviam conhecer desde o primeiro ciclo do básico. Mas o país tem igualmente um gravíssimo problema de iliteracia "tout court". Há muitos alunos em cursos científicos que falham porque nem sequer são capazes de compreender as perguntas num teste; ou que têm grande dificuldade em expor correctamente aquilo que estudaram ou até decoraram. Escrevem frases desconexas, com erros de ortografia, colocam vírgulas entre o sujeito e o predicado, têm falta de vocabulário e não conseguem associar de forma clara duas ideias complementares.
Subalternizar o Português e dispensar a maioria dos alunos do 12.º ano dessas provas nacionais não representa apenas subalternizar as humanísticas: significa comprometer a possibilidade de em todas as áreas os jovens progredirem porque compreendem o que lêem e sabem expressar-se. É isso que o Ministério quer?