A Língua Portuguesa é uma das cinco disciplinas que vão ter em Portugal uma avaliação mais rigorosa dos alunos dos 1.º, 2.º e 3.º ciclos de aprendizagem. Propósito explícito: «[Permitir] uma avaliação mais objetiva dos alunos e dar aos professores ferramentas para que saibam o que se pretende que os alunos aprendam.» A iniciativa é uma aposta pessoal do ministro Nuno Crato, que encarregou quatro professores de Português para a elaboração destes novos parâmetros de ensino do idioma nacional. São as oficialmente chamadas Metas Curriculares de Português para o Ensino Básico em Portugal, cuja finalização os autores dá aqui os seu testemunho, em artigo dado à estampa no jornal “Público" de 3/08/2012.
No termo da elaboração das Metas Curriculares de Português para o Ensino Básico, a equipa responsável endereça um reconhecido e profundo agradecimento a todos os consultores, personalidades, instituições, organismos, colectivos de professores e professores a título individual que emitiram sugestões construtivas no sentido do aperfeiçoamento do documento. Foram muitas e foram tidas em conta. Obviamente, não pudemos satisfazer, entre outras, as opiniões contraditórias do tipo «eu penso que A» e «eu penso que não-A», e deploramos que em alguns casos (poucos) este tipo de opiniões fosse formulado sem argumentação.
Uma preocupação expressa em várias reacções diz respeito à relação entre o Programa de 2009 e estas Metas, e algum debate se instalou sobre a questão de saber em que medida os dois documentos são consistentes ou não. A questão não nos parece pertinente. O Programa é um documento que se situa ao nível da formulação de princípios sobre os processos de ensino e de aprendizagem. As Metas situam-se noutro plano, o da acção, aqui e agora. Tendo como texto de referência o Programa de Português do Ensino Básico, homologado em Março de 2009, as Metas Curriculares centram-se no que desse programa é considerado essencial que todos os alunos aprendam, ao abrigo do consignado no Despacho n.º 17169/2011, de 23 de Dezembro de 2011: as metas são «documentos clarificadores das prioridades nos conteúdos fundamentais dos programas».
Assim, a definição das metas por ano de escolaridade teve em vista a clarificação dos conteúdos de aprendizagem em cada ano, a responsabilização pelo seu ensino em um momento determinado do percurso escolar (naturalmente sem prejuízo da sua consolidação nos anos seguintes), e a opção por formas de continuidade e de progressão entre os diferentes anos de um ciclo e também entre os vários ciclos.
A diferença entre os dois documentos pode ser ilustrada justamente pelo uso, no Programa, do conceito de «competência» e, nas Metas, do conceito de «objectivo», tendo esta diferença sido mal compreendida em algumas reacções.
A competência é um conceito nómada, de contornos vagos, que é utilizado em todos os domínios, e que portanto por si só carece de especificidade. Não somos contra a sua utilização porque pode adquirir conteúdo em domínios particulares. Fala-se de competência dos mercados na regulação ou não regulação da distribuição da riqueza, dos tribunais e outros órgãos para resolver litígios e problemas em geral, ou do sistema de válvulas da circulação venosa.
No campo da educação, o conceito conhece actualmente uma mudança. Depois da sua utilização quase exclusiva no quadro do processo de Bolonha, a recomendação 2008/C 111/01 do Parlamento e do Conselho Europeu (cf. Jornal Oficial da União Europeia, 6.5.2008) introduziu uma classificação tripartida das qualificações a atingir pelo Programa educacional de aprendizagem ao longo da vida em termos de conhecimentos, capacidades ou habilidades (skills) e competências.
No quadro das Metas Curriculares, não determinamos competências mas objectivos, isto é, o que se pretende alcançar como utilização de conhecimentos em determinadas habilidades (por vezes chamadas capacidades) e que são exigíveis em situações como as de exame. Por exemplo, «desenvolver o conhecimento da ortografia» e «compreender formas de organização do léxico» (objectivos para o 1.° ano) são, de facto, objectivos.
Definimos portanto, na base do nosso conhecimento sobre os processos cognitivos de aprendizagem e das necessidades da população escolar portuguesa, os objectivos que são indispensáveis e, para apoio do professor, verificáveis através de descritores de desempenho. Estes objectivos são rigorosos, realistas, exigentes e, alcançados, são garantia de uma aprendizagem sólida. Eles fornecem um referencial comum a todo o País, que consideramos absolutamente necessário.
O apelo que fazemos é que todos os professores, nas suas escolas, leiam o documento das Metas Curriculares inteiramente (incluindo os Cadernos de Apoio) e não apenas a parte relativa aos anos que leccionam; e que organizem as suas actividades de ensino de acordo com o princípio de progressão numa base anual. Para cada ano há que ter em conta não só os objectivos que devem ser alcançados nesse mesmo ano mas também aqueles que se indica deverem ter sido alcançados nos anos anteriores; as habilidades ou capacidades respectivas continuam a ser exigidas e a sua posse deve ser controlada e confirmada.
in “Público” de 3 de agosto de 2012. Respeitou-se a antiga ortografia, seguida pelo jornal.