O Ministério da Educação impõe, ao corpo docente, metas de sucesso, a alcançar em cada ano de escolaridade, iguais ou superiores a 90% (o objectivo é conseguir 100%!).
O cumprimento das metas é a preocupação primeira do sistema educativo, não se olhando aos meios, para chegar aos fins, pois o professor que as não alcance tem de justificar e de argumentar, exaustivamente, os resultados obtidos, sendo que a causa do insucesso é única e exclusivamente atribuída ao docente.
Assim sendo, assiste-se à triste realidade de ver transitar de ano de escolaridade alunos que chegaram ao fim do ano lectivo com seis e sete negativas! O problema surge aquando dos resultados dos exames nacionais, sobretudo no 12.º ano, onde se verifica que «a bota não condiz com a perdigota», ou seja, os níveis conseguidos pelos alunos, na avaliação interna, afastam-se vertiginosamente, em sentido decrescente, daqueles obtidos no exame nacional. Com certeza!
A esta discrepância de valores (níveis, notas) não será alheio o facto de, ao professor, ser exigido um papel mais que plural. Além de instruir, de educar e de dar conta da “burrocracia”, o professor tem de ser um animador, um “entertainer” (eu até já canto com os alunos as duas primeiras estâncias de Os Lusíadas em rap, com “beatbox” à mistura, mas isto não conta, porque não tem público). Além de ter de cumprir extensos conteúdos programáticos, no caso do Português, de teor maioritariamente literário (o que, garanto, exige elevada perícia), ao docente cabe realizar o maior número de actividades possível: visitas de estudo, concursos, festas de Natal, dos vários Departamentos, de encerramento do ano lectivo, etc., etc..
Na minha escola, velha e degradada, com telhas, contendo amianto, a escorrer água para as bacias e baldes de plástico, que ornamentam as salas de aula no Inverno, e onde se ouve, com facilidade, o que se passa na sala ao lado, duas ou três semanas (em certos casos, o ano inteiro, dependendo da disciplina) antes do término dos períodos lectivos, é um exercício de mestria leccionar Vieira, Garrett, Eça, ou outros, já que, ao lado, se ensaiam cantorias, coreografias ou dramatizações, para exibir nas festas, constar no relatório anual de avaliação e deleitar os pais, para quem os filhos são vedetas, estrelas em ascensão. Na verdade, aquilo a que se assiste é um conjunto de pantominas mal ensaiadas: coros desafinados, braços e pernas desencontrados, textos engasgados e muitas mães e pais babados.
A quantidade é inimiga da qualidade, conceito que está a desaparecer da educação, da saúde, da política, das relações humanas.
Ao jeito vicentino: «Não é esta a barca que eu cato!» (in Auto da Barca do Inferno).
*Por opção pessoal, a autora escreve conforme a antiga ortografia.