«Burocratas lexicológicos» são os que advogam o correto aportuguesamento para a palavra jiadista, em vez da forma anglicizada "jihadista" – sustenta a autora, nesta crónica publicada no caderno "Atual" do semanário "Expresso" de 18/10/2014, visando asperamente o Ciberdúvidas.
[Cf. O contraponto desta polémica em: Porquê jiadista, e não "jihadista".]
Se todos os problemas fossem de semântica! Se tudo se resumisse à diferença entre «mantêm-se» e «manter-se-ão». Se nos bastasse tirar a limpo se "jihadista" leva ou não leva agá. «Em que pensa, cardeal? Em como é diferente o amor em Portugal!» O problema da flexão verbal foi levantado pelo ministro da Educação [português], a questão ortográfica pelo Ciberdúvidas. Nuno Crato não necessita de apresentações, é um ministro português. Ciberdúvidas é um site da internet que serve para tirar dúvidas. Dizem. De português. Dizem. Seguidor do novo Acordo Ortográfico, o site, nome completo, "Ciberdúvidas da Língua Portuguesa", tenta explicar o porquê de coisas tão extravagantes como, por exemplo, "Egipto" se ter passado a escrever Egito embora os seus habitantes não tenham mudado de sítio e continuem a ser egípcios, ótica ter substituído "óptica" quer falemos de olhos ou de orelhas, espetador ser alguém que espeta mas também alguém que assiste a um "espectáculo", a que agora se chama espetáculo, etc. O site surge com a chancela da Escola Superior de Educação Almeida Garrett, da Universidade Lusófona, do Ministério da Educação e Ciência e do Governo de Portugal. Upa! Upa! Pois bem. O Ciberdúvidas resolveu falar de extremismos mais ou menos pela mesma altura em que Cavaco Silva considerou o «hipismo uma nova área-chave para o desenvolvimento da economia nacional». Como disse Marx, «de cada um segundo as suas capacidades, a cada um segundo as suas necessidades». De volta ao Ciberdúvidas, cito: «Estranha-se a frequência com que a forma 'jihadista' ocorre nos jornais portugueses, a propósito da atuação do Estado Islâmico nos territórios da Síria e do Iraque.» E remata como quem soma mais um artigo à sharia: «Sendo assim, e já como se tem praticado na comunicação social, a palavra em causa deverá ter a forma jiadista, a qual pressupõe jiade como aportuguesamento do árabe jihad». Aportuguesamento. Eis algo que me lembra logo a «portugalização da PT» defendida há quatro anos por Zeinal Bava na Assembleia da República. Deu o que deu. Deixo para o fim o motivo demolidor que nos proíbe de grafar jihad ou jihadista: «É impossível grafar um h entre duas vogais.» A contraprova é que acabo de o fazer e Kobane continua a resistir: era aqui que queria chegar. Voltemos, pois, à realidade. E deixemos os burocratas lexicológicos e o hipismo para melhor oportunidade. Entretanto, o mundo gira.
Cf. O contraponto desta polémica, em: Porquê jiadista, e não "jihadista" + "Jihadistas" contra jiadistas.
in caderno "Atual" do semanário "Expresso" de 18 de outubro de 2014