O ser humano, enquanto falante e enquanto escrevente, usa, muitas vezes, de forma inadequada determinadas palavras. Ou então pronuncia-as ou escreve-as incorrectamente.
Com as novas tecnologias consagram-se, muitas vezes, lapsos antigos ou surgem outros novos.
Perguntaram-me, há dias, o que significava a palavra "fornia". Depois de pesquisar em todos os dicionários a que tive acesso e nada ter encontrado, recorri à Internet e verifiquei que, em português, a palavra tinha uma utilização que se traduzia em cerca de duas centenas de ocorrências.
Analisando essas ocorrências pude concluir que se trata, se não um erro novo, pelo menos de um com disseminação, essa, sim, nova.
A palavra surge, sobretudo, em contexto jurídico, em vários acórdãos, disponíveis em linha, mas ocorre igualmente noutros contextos, sempre a substituir a palavra forma.
Ilustro com alguns exemplos:
1 — No Acórdão n.º 00226/2004, do Tribunal Central Administrativo do Sul, diz-se em determinada altura:
«É manifesto que o prosseguimento da normal tramitação do processo concursal, que culminará, em breve, com a celebração do contrato, poderá por em causa irremediavelmente e de fornia grave os direitos e interesses legalmente protegidos da ora Requerente.»
Ora, não é «de "fornia" grave», mas «de forma grave».
2 — Num texto sobre a Reforma e a Contra-Reforma, diz-se que, ao substituir a autoridade do papa pela das escrituras, se estava apenas, e cito:
«estabelecendo uma fornia diversa de papado.» In http://www.ellenwhitedefend.com/gc/pg/cap%C3%ADtulo_10.htm.
Ou, melhor, «uma forma».
3 — Numa outra página sobre temas relacionados com medicina, diz-se acerca de uma dada patologia que, e cito com alterações, dado que o texto original refere nomes:
«Foi encontrado um caso de forma tumoral e outro de fornia ulcerosa.»
Imagino que seja «forma ulcerosa». In http://www.rborl.org.br/conteudo/acervo/acervo.asp?id=208.
4 — Noutro local, num glossário sertanejo, define-se o verbete ESSE:
«Ésse — Travessa no boccal do punhal ou faca, com a fornia da letra S.» In http://www.widesoft.com.br/users/pcastro4/glosscp.htm.
Creio que o objecto tenha «a forma da letra S».
5 — Numa página da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, diz-se na introdução de um texto:
«Ainda em relação ao mestre e à tripulação, de fornia geral, cabe sempre repisar o ensinamento de Sampaio Lacerda:» In http://www2.uerj.br/~direito/instituicao/ccm_bio_em_de_b1.html.
Ou seja, «de forma geral».
6 — Noutro texto, quase coloquial, diz-se e cito:
«Desta fornia, passamos, seguidamente, à descrição do plano das intenções do Executivo para o ano de 1999.» In http://jf-riotinto.freeyellow.com/plano.htm.
Não me parece difícil concluir que é «desta forma…».
Muitos outros exemplos poderia acrescentar. Espero, todavia, ter demonstrado que a pseudopalavra "fornia" não passa de uma gralha.
Como terá começado essa gralha?
Provavelmente, a partir da cópia de um texto manuscrito em que o m estaria grafado ao contrário e em que foi confundido com um n seguido de um i, passando de -ma a -nia. Ou, eventualmente, a partir da cópia automática (ou digitalização – pergunto eu?...) de um texto.
Como se dissemina?
Talvez, neste caso concreto, através da nova forma da velha técnica de cortar e colar, acrescida de uma revisão desatenta ou inexistente.
Porque referimos este caso? Talvez algum dos nossos leitores tenha algum tipo de responsabilidade na disseminação deste erro. E apelo sobretudo a quem revê os acórdãos que são colocados em linha, onde, percentualmente, a frequência do erro é muito elevada.