Dizer aquilo que não se tem como certo — quais as marcas no discurso que o evidenciam? E que incoerências podem ocorrer neste âmbito? Um artigo de Ana Martins no semanário Sol.
No dia-a-dia, falamos sem problemas de coisas que não sabemos se de facto aconteceram. Na imprensa isso passa-se muito mais do que devia. Há maneiras de assinalar que não se tem a certeza absoluta do que se diz. As mais comuns passam pelo recurso a adjectivos como eventual, alegado, possível, suposto e aos correspondentes advérbios: alegadamente, possivelmente, etc.
Mas também é muito frequente o recurso à forma verbal de futuro perfeito: «Inspector da PJ terá avisado Pinto da Costa» (TVI, 24/9/06); «Chirac terá pensado em substituir Villepin» (Rádio Renascença, 7/5/06).
É a antinotícia: quando ouvimos ou lemos as notícias, queremos saber «o que aconteceu» e não «o que terá, supostamente, acontecido».
Há a considerar, porém, que o jornalista, não sendo fonte directa daquilo que reporta, tem de marcar algum distanciamento ou dar sinal no discurso de que não está em condições de assegurar totalmente a validação da informação que transmite. O problema é quando o título assegura que sim, mas o corpo da notícia tem as suas dúvidas — ou vice-versa:
«SEQUESTRADOR VIOLOU ANTIGA COMPANHEIRA (…) sequestrada por cinco indivíduos, entre os quais um ex-companheiro, que a terá violado, disse a senhora, numa casa de Lagares da Beira» (JN, 23/3/09).
«UM HOMEM QUE ESTAVA DESEMPREGADO E DEPRIMIDO TERÁ ASSASSINADO EM BINGHAMTON ANTES DE SE SUICIDAR Tudo indica que Jiverly Wong (...) é o homem que na sexta-feira matou 13 pessoas num centro cívico de Binghamton, antes de se suicidar» (Público, 5/4/09).
Fica-se entre o talvez e o de facto.
Artigo publicado no semanário Sol, na rubrica Ver como Se Diz, de 12 de Abril de 2009