Noticiar é divulgar factos. A construção da notícia funda-se em aspectos da ordem da referencialidade, verdade, fidelidade e responsabilidade. Mas muitas vezes o jornalista não está em condições de assegurar totalmente a validação da informação que transmite, porque não presenciou os factos que enuncia e porque, por intermédio da sua fonte, adquiriu apenas uma informação provisória. Nessa altura, ele tem ao seu dispor recursos linguísticos que servem exactamente para marcar a não efectividade das situações descritas. Por exemplo, o recurso a adjectivos como alegado, possível, eventual, suposto («O alegado interesse chinês no Benfica…») ou o uso do verbo modal dever no futuro («O Presidente deverá encontrar-se com o seu homólogo na próxima semana…»). Outro recurso é o futuro perfeito — terá feito, terá dito, terá estado, etc.
Mas o que está acontecer é que estes recursos passaram a ser uma simples formalidade para dizer algo sem verdadeiramente assumir responsabilidade pelo dito.
Vejamos um exemplo.
«Segundo Saldanha Sanches, Marcelo Rebelo de Sousa terá votado contra [na agregação de Saldanha Sanches, na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa], uma atitude que não compreende…» (Expresso, 27-6-07).
Está bom de ver que, se o voto é secreto, não está em causa a confirmação da veracidade dos factos num futuro próximo, pois, em rigor, nunca se saberá quem chumbou Saldanha Sanches. Mas este — e o jornalista que lhe dá voz — alvitra a hipótese da autoria do chumbo (terá votado) para logo a assumir como facto (uma atitude).
O que temos simplesmente aqui é a divulgação de um desabafo, não uma notícia.
*Artigo publicado no semanário Sol de 14 de Julho de 2007