«[...] [O] que importa é verificar se a prova cumpre a sua função de ser um instrumento válido, que permita que os resultados obtidos forneçam informação clara sobre o grau de consecução dos objetivos previstos no Programa e sobre as Aprendizagens Essenciais realizadas pelos alunos.»
Felizmente, estamos num país em que existe liberdade de expressão. Infelizmente, por vezes, ela é usada gratuitamente, sem que tal contribua para o conhecimento ou o esclarecimento.
Tal é o caso de algumas críticas feitas à prova de exame de Português do 12.º Ano e, por extensão abusiva, aos dirigentes do Ministério da Educação.
Os professores de Português ensinam como se escreve um texto de opinião, como se utilizam argumentos e como eles se sustentam em provas ou exemplos, e ensinam, ainda, que a adjetivação ou as expressões apreciativas sem a respetiva fundamentação ou baseadas em vícios de raciocínio ou as generalidades discutíveis não só de nada valem como contribuem para a desvalorização do respetivo texto. Assim, artigos de opinião sobre este assunto que não sigam os princípios básicos de argumentação não terão grande valor…
Servem estes parágrafos iniciais de preâmbulo para a análise da Prova de Exame de Português do 12.º Ano, em que se pretende mostrar a sua qualidade, ao invés de outras opiniões.
Para se analisar a prova em questão, deverá clarificar-se que o fundamental, num exame, é que ele tenha validade, nomeadamente validade de conteúdo e de constructo, ou seja, que incida em matéria contida nos documentos de referência (no caso, o Programa e as Aprendizagens Essenciais) e afira adequadamente as competências que se pretende que os alunos dominem.
Ora esta prova de exame de Português do 12.º Ano corresponde ao exigido, respeitando o indicado nos referidos documentos de referência, como se pode ver nos pontos que se seguem.
1.º A prova incide sobre matéria do 10.º, do 11.º e do 12.º Ano indicada no atual Programa da disciplina e sobre todos os domínios avaliáveis na prova escrita, a saber: no domínio da Educação Literária e no da Escrita, interpretação de excertos das obras de Eça de Queirós indicadas no Programa e de um poema de Ricardo Reis, exposição sobre um tópico do Sermão de Santo António e apreciação crítica de um cartoon (poderia ser de um filme, de uma peça de teatro, de um livro, de uma exposição ou de outra manifestação cultural, na qual se enquadra o cartoon); no domínio da Leitura, interpretação de um artigo de opinião; no domínio da Gramática, resposta a itens sobre Etimologia, Fonologia e Sintaxe. Neste ponto, a prova apresenta, assim, a referida validade.
2.º A prova permite a avaliação no âmbito das seguintes Aprendizagens Essenciais, entre outras: (1) «Comparar textos em função de temas, ideias e valores» (Grupo I, itens 1 e 2); (2) «Reconhecer valores (…) estéticos manifestados nos textos» e (3) «Analisar o valor de recursos expressivos para a construção do sentido do texto (…)» (Grupo I, itens 3, 5 e 6); (4) «Interpretar textos literários portugueses (…)» e (5) «Clarificar (…) pontos de vista» (Grupo I, item 4); (6) «Mobilizar para a interpretação textual os conhecimentos adquiridos sobre os elementos constitutivos do texto poético» (Grupo I, item 6); (7) «Reconhecer valores culturais, éticos e estéticos manifestados nos textos» e (8) «Escrever (…) exposições sobre um tema» (Grupo I, item 7), (9) «Redigir com desenvoltura, consistência, adequação e correção os textos planificados» (Grupo I, item 7 e Grupo III); (10) «Interpretar o texto, com especificação do sentido global e da intencionalidade comunicativa» e (11) «Clarificar pontos de vista» (Grupo II, itens 1, 2 e 4); (12) «Analisar a organização interna do texto» (Grupo II, item 3); (13) «Analisar (…) frases simples e complexas» (Grupo II, itens 5 e 6); (14) «Reconhecer processos fonológicos que ocorrem no português (na evolução e no uso)» (Grupo II, item 7); (15) «Escrever (…) apreciações críticas» (Grupo III). A prova permite, assim, que se avaliem competências diversas desenvolvidas ao longo de todo o percurso académico.
3.º Um aspeto que suscitou algumas apreciações críticas foi a proposta de interpretação comparativa de excertos das duas obras de Eça de Queirós indicadas no Programa, dado o facto de só ser exigida a leitura integral de uma delas. Ora o exercício proposto tem toda a validade, por três motivos: (1) os excertos contêm todos os elementos que permitiam dar resposta ao que era pedido; (2) uma das Aprendizagens Essenciais consiste precisamente em «Comparar textos em função de temas, ideias e valores»; e (3) as obras em causa são de natureza semelhante, permitindo que a opção por parte dos alunos e dos professores pela leitura de uma ou de outra seja indiferente no que ao atingir dos objetivos do Programa diz respeito, nomeadamente «Ler e interpretar textos escritos (…), apreciando criticamente o seu conteúdo», «Ler, interpretar e apreciar textos literários», «Aprofundar a capacidade de compreensão inferencial» e «Desenvolver o espírito crítico no contacto com textos (…) escritos (…)».
Ou seja, ao terminar o Ensino Secundário, que constitui a escolaridade obrigatória de 12 anos, é exigível que um aluno seja capaz de comparar dois quaisquer excertos de obras de um autor (do qual estudou uma obra integral), no que diz respeito às atitudes das personagens e à visão crítica reveladas nesses excertos, que era o que se pretendia nesta prova de exame.
4.º Quanto à pergunta sobre um poema de Ricardo Reis que incide sobre a sua «atitude racional» (item 4 do Grupo I), ela está correta. Ricardo Reis é o poeta da razão, o poeta que, segundo Jacinto Prado Coelho (Diversidade e Unidade em Fernando Pessoa), «é um homem de ressentimento e cálculo, um homem que se faz como faz laboriosamente o estilo», e que, como «experimenta a dor da nossa miséria estrutural, sofre com as ameaças inelutáveis e permanentes do Fatum, da Velhice e da Morte», pelo que «o seu fito é iludir (melhor: eludir) a dor construindo virilmente o próprio destino no restrito âmbito de liberdade que lhe é dado».
Verifica-se que a atitude racional do sujeito poético neste poema é visível na lúcida análise do que sente e do motivo da atitude que assume: tem consciência do desagrado (ódio) em relação à mudança e do que faz para a evitar (foge), tentando não ser afetado por ela.
5.º A comparação objeto de questionamento no item 5 do Grupo I não oferece nenhuma dúvida, estando este assunto em consonância com o indicado no Programa de Português como tópico de estudo da poesia deste autor («Ricardo Reis: a consciência e a encenação da mortalidade»). Com efeito, o sujeito poético exprime o desejo de que o tempo passe por ele de forma impercetível, encaminhando-o tranquilamente para a velhice como a lei natural do passar do tempo, que faz com que ao dia se siga a noite.
6.º Quanto ao facto de, nesta prova de exame, além dos itens de resposta aberta, haver itens de resposta fechada (aspeto também questionado), é sabido que as questões de resposta fechada são tão válidas quanto as de resposta aberta, dependendo da natureza do que é questionado e do objetivo pretendido. Refira-se a qualidade de construção de alguns desses itens de resposta fechada (por exemplo, 3 e 6 do Grupo I).
Quase a terminar, deverá dizer-se que uma qualquer prova de exame com 15 itens e a duração de 120 minutos nunca pode incidir sobre toda a matéria que foi trabalhada pelos alunos ao longo de três anos de escolaridade e que pode ser sempre objeto de crítica. Pode, sempre, considerar-se que poderia ter havido uma maior incidência num ou noutro aspeto (que mais agradaria a este ou àquele), que uma determinada pergunta poderia ter sido feita de uma ou de outra forma…
Pode.
Mas o que importa é verificar se a prova cumpre a sua função de ser um instrumento válido, que permita que os resultados obtidos forneçam informação clara sobre o grau de consecução dos objetivos previstos no Programa e sobre as Aprendizagens Essenciais realizadas pelos alunos. E, pelo exposto, poderá concluir-se que a prova, realmente, cumpre este requisito fundamental.
Assim, talvez seja de salientar que este é um assunto sério, que deveria ser tratado por todos com a seriedade e o respeito devidos aos Alunos que realizaram esta prova de exame.
N. E. – O presente texto, assinado pela autora em 3 de julho no jornal Público, constitui a refutação de críticas vindas a lume, a respeito do exame nacional do 12.º ano da disciplina de Português, e veiculadas nos artigo de opinião "Ainda o inenarrável exame de Português do 12.º ano", de Elisa Costa Pinto, incluído na edição de 11 de julho de 2020 do mesmo jornal. Ver também "O exame de 12.º ano: quem, como, porquê?", de António Carlos Cortez.