Abriram-se as prendas de Natal. Se a prenda é um livro, o simples desembrulhar não permite tirar conclusões acerca do produto.
Veja-se o caso de dois livros de literatura infanto-juvenil, ambos traduções: A Flauta Mágica (Edições Hipòtesi/Kalandraka Editora) e A Vida de Um Piolho Chamado Matias (Edições Teorema). Ambos têm erros gravíssimos, que acusam uma má tradução e uma igualmente má revisão.
Listo apenas alguns desses erros.
Em A Flauta Mágica, trememos com a troca do à pelo há: «A rapariga que até à um instante o homem detinha…»; hesitamos na leitura de passagens como: «Quem sabe a Rainha estava a usa-lo (…)» (devia estar usá-lo); duvidamos do significado das palavras em português «Apesar do seu sigilo de repente, o príncipe sentiu um bafo quente no pescoço, (…)» (devia estar silêncio, talvez).
Em A Vida de Um Piolho Chamado Matias, é proeminente a sistemática omissão do acento nos tempos de pretérito perfeito da 1.ª pessoa do plural — o que reproduz, na escrita, um erro que se está a tornar muito comum na oralidade, que é o de pronunciar essa forma verbal com a vogal semifechada, como se do presente se tratasse: «Ao fim de uma grande caminhada, chegamos os dois à estação…» (devia estar chegámos); «Aquele dia, passamo-lo minha irmã e eu arrancando caspa…» (devia estar passámo-lo).
Só há uma solução: voltar a embrulhar os livros com uma nota de devolução e exigência de reembolso por disfunção grosseira do produto: afinal, trata-se de livros que servem para consolidar, nas crianças, procedimentos correctos de expressão escrita.
Artigo publicado no semanário Sol de 19 de Janeiro de 2008, na coluna Ver como Se Diz