Um lingüista alemão, Pörksen, denomina «palavras de plástico» as que entram na moda com sentidos imprecisos, servindo para tudo. São expressões novas da linguagem mediática, que resultam de mudança de significado criadas por especialistas de diversas áreas e caem no gosto do falante comum, sem entender bem o significado, pelo teor de modernidade.
Outro alemão, Werner Ludger Heiderman (UFSC), denominou-as «palavras-chiclete», porque depois de muito usadas são jogadas fora.
Ao perder o sabor de novidade, saem de uso. Como o livro de Pörksen é escrito em alemão, língua indecifrável (para mim) o tema foi-me revelado em tese defendida na USP pela paulista pernambucanizada Clélia Barqueta, orientada por Eva Glenk, em cuja banca tomei parte.
Versou sobre diferenças e semelhanças entre a publicidade de laboratórios no Brasil e na Alemanha, área onde as palavras de plástico são bem-vindas.
O termo plástico é adotado pela capacidade que possui este material de adaptar-se às variadas formas de que o homem necessita: como o plástico o termo se torna elástico, mas perde sua capacidade de precisão denominativa. Como o vocabulário reflete o cotidiano e modifica a visão de mundo, essas palavras e expressões penetram sorrateira ou repentinamente na língua e passam a ser insubstituíveis por algum tempo. Depois somem. Foi o que aconteceu, em 1964, entre outras, com aparelho, subversivo, linha-dura, comunidade de base e, na tecnologia, com terceira dimensão e alta fidelidade.
Atualmente, desenvolvimento, comunicação, saúde, sustentabilidade, responsabilidade social adquiriram tons outros, simulando novidade. E o que dizer dos verbos em izar, ícones numa prosa informativa que se pretende moderna: agilizar, socializar, otimizar, disponibilizar, politizar, costumizar. Culpar cedeu a vez a culpabilizar.
Outra palavra que se tornou plástica foi cidadania, palavra sem brilho e sem destaque, com bolor burocrático. Parece conquista recente, mas não fomos sempre todos cidadãos brasileiros? Para confirmar sua nova função, a APL oferece um curso de Leitura para a Cidadania. Será diferente?
Outras surgem na fila e, vemos à frente, sexualidade e desenvolvimento sustentável. O próprio termo sexo tornou-se uma palavra mágica, abrindo portas e trazendo sugestões. De tabu passou à banalização do uso.
Para Fairclough, lingüista inglês, desenvolvimento sustentável é uma contradição em termos, um paradoxo, usado como panacéia para diferentes regiões do globo, parecendo ser a chave de todos os problemas, sem definir agente, beneficiado, nem como será possível.
Apreender, no sentido de prender (um menor) talvez seja uma palavra de plástico esdrúxula pois, na língua portuguesa, apreendidas são coisas ou mercadorias. É mais ofensivo que prender.
As palavras de plástico desautorizam as demais. Ninguém fala mais em pobres, mas em população de baixa renda. Subúrbio virou periferia. Mocambo sumiu da língua sem sumir da realidade.
Por último, queremos lembrar uma dupla que não sabemos dizer a que veio: requalificar/requalificação. Não está no Aurélio. No Houaiss há um pequeno verbete que significa mudar de qualidade, o termo é ambíguo. Diz o arquiteto Zezinho Santos: «Que se pode dizer das obras de requalifcação de Boa Viagem? Parecem desandar de vez a começar pela terminologia. O que quer dizer a administração pública com requalificação? Pode ser para melhor ou para pior.» Em Porto de Galinhas, o termo foi usado para nomear a pavimentação de algumas ruas (instalando o caos por muito tempo). O saneamento básico, por conta da Gautama, ficou no desejo. Que se quer dizer afinal com requalificar?
Palavras de plástico apagam os significados cristalizados, tornando-se agentes da globalização por colonizar a linguagem comum pela linguagem da técnica. Esperamos que, em breve, muitas delas, como requalificação, sejam cuspidas como chicletes usados, por nada significarem.
texto publicado no Jornal do Commércio, de 17 de Agosto de 2007