Foi comemorado, na segunda-feira, 5 de novembro, o Dia da Língua Portuguesa, nossa língua materna, que é a terceira língua mais falada do mundo ocidental. O enorme contingente de falantes do português é constituído, na sua maior parte, por nós brasileiros. Os milhões de falantes deste País continental superam os apenas 9 milhões de falantes do pequenino Portugal. Por isso, não entendem muitos a nomeação de língua portuguesa, uma vez que somos a maioria. Certo que a diferença de usos entre os dois lados do Atlântico é grande. Alguns acham até que podíamos subscrever o que Oscar Wilde ironizou sobre Estados Unidos e Inglaterra: "São dois países que têm muita coisa em comum, exceto a língua." Após a Independência do Brasil, alguns autores quiseram estender essa independência ao idioma, como é o caso de José de Alencar. Essa atitude, que teve pequena repercussão na época, com o Modernismo de Mário de Andrade, em 1922, foi ressuscitada. Mas depois foi assimilada a denominação de língua portuguesa e pouco se fala no assunto, até porque não refletimos sobre a pedra angular de nossa identidade, como também pouco a cultivamos.
Vale a pena revisitar o tema, já que alguns acreditam estarmos sob um rótulo que não nos nomeia adequadamente.
Nenhuma língua é um todo uniforme e no dizer do lingüista francês Martinet, "línguas mudam porque funcionam". Para Celso Cunha "há uma covariação entre a língua e a sociedade".
A língua histórica, no nosso caso, o português, não é um sistema lingüístico uno, mas um conjunto de normas onde ressaltam os usos criados em espaços geográficos diferentes. A norma sempre varia em comunidades lingüísticas, quando distanciadas, como Brasil e Portugal.
O que veio a ser chamado língua portuguesa foi resultado do desdobramento do latim, efetuado a partir da baixa Idade Média. A transformação foi lenta. No século 16, esta língua vinda do latim iniciou seu desdobramento em outra norma ao ser transplantada para o Brasil. O isolamento da província favoreceu a mudança de hábitos de fala, pois durante três séculos não houve nenhuma política lingüística em nosso território. Ficamos à deriva. O marquês de Pombal preocupou-se com a pouca difusão da língua portuguesa. Em províncias como São Paulo, Maranhão e Pará, a língua de uso era o tupi. Em 1757, (270 anos após a descoberta), um decreto pombalino tornou o português a língua obrigatória e oficial em nossas terras. A partir de então, foi crescente a imposição da língua portuguesa.
Com a República, a norma brasileira começa ser valorizada, consolidando-se em 1920, como assinala Gilberto Amado em Minha formação no Recife. Contudo, em 1935, o Diário Oficial, publicou que os livros didáticos deveriam chamar o idioma nacional de língua brasileira, porque a língua devia ser denominada de acordo com o povo que a falasse. A Assembléia Nacional Constituinte de 1946 rejeitou a denominação de língua brasileira em parecer emitido por uma comissão de estudiosos. Portugal tem o mérito de ter criado este sistema lingüístico e de tê-lo difundido no mundo: é a matriz de onde vieram hábitos lingüísticos e culturais, que aqui sofreram influências outras e foram modificados.
Mas as modificações no falar brasileiro não o tornaram uma língua diferente da matriz. Em 1985, foi reiterada, sob a inspiração de Houaiss, a denominação de língua portuguesa, baseada em fatores como a intercomunicaçã , presença de um vocabulário básico comum, de palavras gramaticais, desinências e conjugação verbal idênticas. Constituímos, isso sim, uma norma brasileira, que se desenvolveu de acordo com hábitos lingüísticos e sociais aqui criados e a realidade observada.
Falamos o português brasileiro, determinante para os destinos da comunidade lusófona de 200 milhões de falantes, já que somos 170 milhões. Nosso modo de falar inclui escolhas vocabulares e construções
sintáticas divergentes de Portugal. Quanto à pronúncia, a distância é grande, o que gera dificuldades, mas não a incompreensão absoluta. Até Afrânio Coutinho, em 1986, quis impor o termo "língua brasileira", desvencilhando-se de vez de Portugal. Hoje é considerada uma atitude pouco científica. A força de uma língua não reside no seu passado nem na sua denominação, mas na sua aptidão de renovar-se e criar. Esta força é a contribuição da variante brasileira para a língua portuguesa. 5 de novembro é o dia de comemorarmos, junto com Portugal, a nossa língua comum.
in Jornal do Commercio