Às vezes tenho dificuldade em perceber o que dizem políticos e jornalistas na rádio e televisão portuguesas, porque empregam normas de pronúncia diferentes daquelas que aprendi no berço e na escola e também porque reflectem mudanças de sentido de palavras que, para mim, têm outros significados.
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Posso apresentar exemplos infelizmente muito actuais, relacionados que estão com os trágicos acontecimentos de Timor.
Quanto à pronúncia: o acrónimo ONU. Como posso entender o que dizem, quando pronunciam /ó-nu/? Esta sigla, tornada palavra, em português europeu e sempre teve a tónica na última sílaba: /o-nú/ (com o o aberto, como em obra, e o realce no u). Para se pronunciar como grave, teria de levar acento gráfico na primeira sílaba ("ÓNU"). Pronuncia-se, pois, como peru, caju e termos semelhantes.
Quanto ao sentido: humanitário. Este adjectivo tornou-se numa espécie de muleta. Quando os locutores não sabem o que dizer, fazem avançar o humanitário, do mesmo modo que outros dizem efectivamente, pá ou prontos. "Catástrofe humanitária" é um contra-senso, porque a catástrofe prejudica o ser humano e o que é humanitário beneficia-o. Na verdade, como José Mário Costa já explicou no Ciberdúvidas, humanitário é o que visa o interesse da humanidade. O adjectivo que melhor se aplicaria seria humano, mas "catástrofe humana" é pleonasmo sem estilo: portanto, difícil de aceitar (uma catástrofe verifica-se sempre na perspectiva do homem).
Políticos, jornalistas e outras figuras que falam em público dever-se-iam preocupar mais com a nossa língua comum.