«O Governo brasileiro, ao contrário de interpretações apressadas e portanto equivocadas [veiculadas na imprensa portuguesa], está solidamente comprometido com Acordo Ortográfico, não cogita promover retrocessos e não admite a reabertura de negociações sobre o seu texto» – escreve o embaixador do Brasil em Portugal, Mário Vilalva, em carta enviada aos deputados portugueses, com data de 12 de setembro de 2013.
Senhor/a Deputado/a,
1. Constato que em Portugal há algumas resistências ao Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (AOLP), firmado em Lisboa, em 1990, pelos países membros da CPLP. A petição pela desvinculação do país ao Acordo Ortográfico, submetida, segundo informou a imprensa, à Assembleia da República, é mais uma das manifestações dessa oposição, baseada entre outras na interpretação equivocada de que o Governo brasileiro, por meio de recente ato legislativo, estaria expressando dúvidas quanto à implementação do Acordo. Conquanto o livre debate sobre temas de interesse comum constitua elemento valioso do processo democrático, é essencial que, para o bom entendimento desta matéria, possamos proceder a um esclarecimento dos fatos com vistas a evitar percepções incorretas sobre a determinação de nossos governos.
2. No final de 2012, o Brasil aprovou decreto legislativo que prorrogou, ate 2015, o prazo de transição para adoção integral do AOLP. A intenção do decreto correspondeu a um mero ajuste dos prazos para torná-los compatíveis e realistas com a tarefa de ajustar a grafia do português em um país com 200 milhões de habitantes e com dimensões territoriais de um continente. Ademais. procurou o referido decreto ajustar o ritmo de implementação do AOLP ao compasso dos demais países da CPLP. Tratava-se portanto de conceder mais tempo ao convívio entre as regras novas e antigas. O Governo brasileiro, ao contrário de interpretações apressadas e portanto equivocadas, está solidamente comprometido com Acordo Ortográfico, não cogita promover retrocessos e não admite a reabertura de negociações sobre o seu texto. Corno se sabe, as regras do Acordo Ortográfico já vigoram no Brasil, sendo amplamente utilizadas nos órgãos públicos, nas escolas, na imprensa e nas indústrias culturais.
3. O Brasil considera que o Acordo Ortográfico firmado em 1990 é um avanço nas relações entre os países da CPLP. Historicamente (pelo menos desde 1911) houve urna indesejável bifurcação linguística entre as variantes brasileira e portuguesa do idioma fato que nos distanciou em muitos aspectos, mas sobretudo na possibilidade de interligarmos os nossos mercados editorais sem custos adicionais de adequação às diversas grafias utilizadas pelos nossos países. O AOLP, cuja negociação envolveu toda a comunidade de países lusófonos, representa portanto um ponto de inflexão ao restaurar a convergência entre as expressões orais e escritas da língua portuguesa, conferindo novas ferramentas à difusão e ao ensino do idioma em nossos países e no mundo – o que significa dizer que livros, materiais e programas de educação a distância poderão ser facilmente reproduzidos em qualquer país da comunidade lusófona, sem os elevados custos de adaptação ou adequação do idioma a públicos diferentes.
4. Como se sabe, a força da língua depende de sua difusão, de seu uso e de seu valor econômico. Hoje a comunidade lusófona reúne ao menos 240 milhões de pessoas e o português figura como urna das línguas mais faladas do planeta – a sexta no mundo, a terceira no Ocidente e a primeira no Hemisfério Sul. A unificação da grafia permitirá ampliar não apenas a circulação de bens culturais, mas também potenciar a economia dos países lusófonos. Uma correta percepção sobre o conteúdo económico de nossa língua é elemento fundamental para que ela seja internacionalmente reconhecida e respeitada. Isto e ainda mais importante quando consideramos que muitos dos países de expressão portuguesa são hoje grandes atores no comércio e nos investimento e nessa condição atraem um número crescente de agente econômicos.
5. E também importante observar que a língua portuguesa – que já é uma língua das humanidades – vem-se tomando agora uma língua de ciência e tecnologia. Isto já é urna realidade nas relações Brasil-Portugal graças ao considerável aumento da cooperação acadêmica e ao crescente intercâmbio em áreas de ponta como nanotecnologia. biotecnologia e energia. No campo industrial, destacam-se a cooperação no âmbito das tecnologias aeronáuticas bem como as introduções inovadoras na área da telefonia. Hoje já podemos dizer que o português não é apenas a língua de nossos poetas e escritores, é também um instrumento de trabalho de nossos cientistas e pesquisadores.
6. Note-se ademais que, em diversas regiões do mundo, é cada vez maior o número de pessoas interessadas no aprendizado da língua portuguesa. No entanto, as diferenças linguísticas ainda criam divisão no ensino do idioma: aos alunos estrangeiros ora ensina-se o “português de Portugal”, ora o “português do Brasil", com certificações de proficiência também separadas, conferidas respectivamente pelo Instituto Camões, em Portugal, e pelo Ministério da Educação do Brasil. Com a unificação, será possível não apenas ampliar a cooperação no ensino da língua no mundo, mas sobretudo fortalecer nossas ações conjuntas para tomá-la um idioma oficial em todos os organismos internacionais.
7. Por esses e outros motivos, a despeito de supostas imperfeições, o Acordo Ortográfico é inegavelmente mais benéfico aos países lusófonos e auspicioso ao futuro da língua portuguesa do que a inexistência de entendimento e a perpetuação de divergências no campo linguístico.
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