Os versos em apreço fazem parte de um poema, que vale a pena aqui transcrever.
Casamento
Meu marido, se quiser pescar, pesque,
mas que limpe os peixes.
Eu não. A qualquer hora da noite me levanto,
ajudo a escamar, abrir, retalhar e salgar.
É tão bom, só a gente sozinhos na cozinha,
de vez em quando os cotovelos se esbarram,
ele fala coisas como "este foi difícil"
"prateou no ar dando rabanadas"
e faz o gesto com a mão.
O silêncio de quando nos vimos a primeira vez
atravessa a cozinha como um rio profundo.
Por fim, os peixes na travessa,
vamos dormir.
Coisas prateadas espocam:
somos noivo e noiva.
Adélia Prado, Poesia Reunida, São Paulo, Ed. Siciliano, 1991, pág. 252
Sobre «prateou no ar dando rabanadas», deve notar-se o efeito estilístico do verbo pratear, que aqui significa «brilhar», podendo assim identificar-se uma metáfora (= «o brilho é prata»). Em «coisa prateadas espocam», temos uma imagem, constituída pelas metáforas «coisas prateadas» e «espocam»; o significado destas metáforas é de certo modo vago, mas remete para o amor entre duas pessoas, evocando a situação de enamoramento, noivado ou cerimónia de casamento.