Dada a grande influência que a língua inglesa tem na comunicação social, surgem constantemente palavras que se vão infiltrando na língua portuguesa. Muitas dessas palavras estrangeiras estão ligadas a modas, e, portanto, a própria evolução das modas pode levar ao seu desaparecimento. Imensas palavras estrangeiras já estiveram na moda e caíram em desuso. O jovem escritor Jacinto Lucas Pires, por exemplo, capta, com grande facilidade, a pronúncia de palavras estrangeiras e apresenta-as com uma grafia que nos parece muito aceitável.
Há, portanto, pessoas com grande sensibilidade para integrarem os neologismos na língua portuguesa. Os dicionaristas trabalham normalmente de uma forma menos atrevida e aproveitam as grafias espontâneas que vão surgindo para depois escolherem as que lhes parecem mais adequadas. O substantivo "piercing" é um neologismo na própria língua inglesa. Está relacionado com o verbo "to pierce, pierced, piercing". Os dicionários de língua inglesa ainda não registam "piercing" como substantivo. O verbo "to pierce" provém do francês "percer", que significa «perfurar» e está relacionado com o verbo latino ‘pertundere’, com o mesmo significado. Como o verbo latino ‘pertundere’ não teve continuidade na língua portuguesa, não poderá servir para criar um neologismo.
A palavra "pírcingue" apresenta várias virtudes. Tem acento tónico na primeira sílaba, como em inglês; o grupo ie é pronunciado como vogal longa [i:] em inglês e, por isso, passou a vogal breve [i] como é normal em português; mantém a consoante c da palavra original; e, embora o g final da palavra inglesa não seja correspondente à pronúncia portuguesa, foi adaptada à nossa ortografia. A palavra ganhou uma sílaba, mas corresponde às características próprias da língua portuguesa. Como se torna evidente, a palavra "pírcingue" tem razões que a justificam. Veremos se os dicionaristas estarão de acordo ou preferem esperar por novas modas.
"Software" e "hardware" são neologismos da língua inglesa com base em elementos de origem germânica. O elemento "ware" passou às línguas latinas e está relacionado com as palavras guarda e guardar. De facto, os computadores guardam informações.
Partindo do princípio de que os elementos que compõem estas palavras não são facilmente traduzíveis para a língua portuguesa, e ainda porque estas palavras estão vulgarizadas, parece-nos razoável a adaptação ortográfica directa. "Softeuere" apresenta cinco sílabas. Parece-nos que "softuere" teria menos uma sílaba e corresponderia à nossa dicção corrente. Em qualquer dos casos, o acento gráfico é desnecessário.
"Hardeuere" ou "ardeuere" apresentam também cinco sílabas. Julgamos que "harduere" ou "arduere" teriam menos uma sílaba e estariam de acordo com a nossa dicção. Quanto ao h inicial, tem em mim um aliado. Os dicionários da língua italiana têm só uma página com palavras iniciadas por h, porque a actual ortografia da língua italiana corresponde a uma limpeza notável no h inicial. Curiosamente, os linguistas italianos mantiveram o h inicial nas palavras modernas de origem estrangeira. Iremos manter o h como os italianos? Ou iremos ser ainda mais radicais? O tempo o dirá.
Continuaremos abertos a outras sugestões, nomeadamente da parte dos técnicos de informática, que estão mais profundamente ligados a estes assuntos.