Um caso de redundância escusada à volta de um anglicismo há muito entrado na linguagem corrente em Angola e em muitos outros países de língua oficial portuguesa. Crónica do autor, publicada no semanário "Nova Gazeta", de 3/04/2014.
Com as correrias do dia-a-dia, nem sempre é possível sair do escritório para fazer as refeições. E quando dá tempo, é apenas para comer num minuto e regressar ao trabalho noutro, sem direito à sesta.
Mas nós tivemos sorte desta vez. Descobrimos, aqui bem pertinho, um quintal à ‘Tia Guida’, onde a comida, além de ser barata, é muito bem confeccionada. Quem ainda não esteve lá? Os do NG, RNA, TPA e de outras empresas parecem ter os relógios sincronizados. Às 12 horas, todo o mundo lá está.
«Hoje tenho muito trabalho, como sempre, não vou poder comer aqui. Quero um takeaway para levar, por favor», disse um cliente todo suado com tempo apenas para beber uma Eka.
«O pai1 já sabe, não é? Se é takeaway para levar tem de aumentar mais 100 kwanzas», recorda a jovem funcionária. «Já sei, filha. Aproveita e traz mais uma bem fresquinha, está bem?», acrescenta o cliente.
Já imaginaram o que seria de nós sem o ‘takeaway’? Não é uma realidade nova. Já na primária, quando nos levantássemos tarde por mangonha, preparavam-nos ‘takeaway’ para comermos no recreio. A nossa relação com os anglófonos proporcionou-nos esta belíssima expressão takeaway, em inglês, que significa «comida pronta» (feita num restaurante) «para consumir em casa ou noutro lugar».
A própria expressão ‘takeaway’ por si só já quer dizer «para levar» e depois evoluiu para ‘restaurante de comida para fora’ ou ‘comida para fora’. Hoje é muito usada em Angola e em muitos países lusófonos.
Dado o seu significado (para levar), dizer «quero um takeaway para levar, por favor» passa a ser redundante. Como resolver o problema? Basta dizer «quero um takeaway», que por outras palavras quer dizer "quero uma refeição (ou comida pronta) para levar". Quando não é para levar não é ‘takeaway’. É simplesmente uma refeição como qualquer outra que comemos em casa ou no restaurante.
1 Forma popular de tratamento em Angola a alguém, homem, "mais velho".
Outros textos de Edno Pimentel sobre o português de Angola
in semanário Nova Gazeta, de Luanda, publicado no dia 3 de abril de 2014 na coluna do autor, Professor Ferrão. Manteve-se a grafia anterior ao Acordo Ortográfico, seguida ainda em Angola.