As palavras estão vivas e vão fazendo o seu caminho. Umas definham e extinguem-se, passando apenas a engrossar o léxico cumulativo dos dicionários. Outras ganham novos significados.
Nunca deixo de me espantar com a capacidade de regeneração e de renovação da língua. E as motivações para as evoluções podem ser as mais diversas, as mais prosaicas. Até mesmo o simples facto de o que se quer dizer não caber numa placa, já que a língua portuguesa não é, como sabemos, sintética. E quando tenta sê-lo, esse vestido geralmente serve-lhe mal. Num dos acessos a uma das praias algarvias que costumo frequentar, existe uma placa com a seguinte indicação: «Praia acessível». É claro que um dos logótipos da placa me ajudou a esclarecer o sentido. Só com as palavras, porém, não chegava lá. Podia pensar que se tratava do nome da praia?! De um caminho até à praia? Poder-se-ia até pensar, se o acesso às praias fosse pago, que se trataria de uma praia com preços módicos! Enfim, o que nunca pensaria, sem o boneco, era que se tratava de uma praia com acessos para deficientes motores ou com problemas de mobilidade. Mas era. Não me parece que a palavra acessível se tenha renovado ao ponto de ganhar este novo significado! O que aconteceu ali foi, apenas, mera incapacidade para encontrar melhor expressão e uma tentativa de condensar, numa expressão curta e suscetível de caber numa placa, a indicação: «praia com acessos para deficientes motores». Mais valia, porém, ter optado por esta ou por qualquer outra solução. É preferível palavras a mais, mas esclarecedoras do sentido, a palavras a menos com perda de sentido. Pode também ter acontecido que, em nome do politicamente correto, se tenha procurado evitar a palavra deficiente. Porventura porque também caibam dentro deste «acessível» aqueles que têm limitações de mobilidade, permanentes ou temporárias. Aliás, creio que também vi, mais adiante, este projeto designado por: Projeto de Apoio a Pessoas com Mobilidade Condicionada ou designação similar. A língua também tem esta capacidade de opacidade. Sobre este sentido de «acessível», resta-nos esperar para ver se vinga...