Dois casos assinalados pelo autor: a notícia que trocou «320 diamantes incrustados» por «320 diamantes encrostados» e a suspensão do Acordo Ortográfico no Centro Cultural de Belém, em Lisboa. Artigo publicado originalmente no jornal i de 10/02/2012.
Escreveu o “Correio da Manhã” que o Palácio de Saint James divulgou a lista dos presentes de casamento recebidos por William e Kate e que entre os «mais bizarros» havia um saco-cama, uns binóculos e um alfinete com 302 diamantes “encrostados”.
A bizarria da notícia não reside evidentemente no alfinete, mas sim no facto de o jornalista querer escrever incrustados e de lhe ter saído “encrostados”. A consciência do seu fraco domínio da língua originou a manifestação de um fenómeno chamado “hipercorreção” ou “ultracorreção”. É quando a pessoa supõe que está perante um erro, tenta contorná-lo segundo as regras que acredita serem as mais justas e aí, sim, comete um engano. Surge então o “encrostado” ou o conhecidíssimo “orinar” (com o “o” aberto) em vez de urinar.
A hipercorreção tem sido muito praticada por uma classe especial de falantes, os políticos no poder. É aquilo que está a acontecer no Centro Cultural de Belém. A rocambolesca nomeação do presidente e a infeliz decisão de deitar ao lixo os corretores ortográficos (com o roto argumento de que o CCB não depende do Estado que o alimenta e portanto não tem de seguir os compromissos por ele assumidos) não passam de hipercorreções. Aplaudidas em editoriais e por variadíssimos “opinion makers”, têm o mesmo nível dos diamantes “encrostados”.
in jornal i, de 10 de fevereiro de 2012, na crónica semanal do autor, Ponto no i, que assinala alguns erros na escrita jornalística, em Portugal