Mais tarde ou mais cedo tinha de ser: um artigo sobre o verbo haver.
Aprende-se na escola primária. No caso de a escola não ter ajudado, basta pensar um bocadinho. Em português, como noutras línguas, há verbos que designam uma acção ou situação à qual não pode ser atribuída sujeito: anoitecer, chover, fazer (com sentido de tempo decorrido), etc. O verbo haver também faz parte desta lista.
Ora, se não tem sujeito, o verbo necessariamente tem de estar na 3.ª pessoa do singular, assim: «Há pessoas que não sabem o que dizem»; «Houve distúrbios na praça»; «Haverá problemas depois». Claro que haver também pode ser flexionado no plural, mas só quando é verbo auxiliar: «Eles hão-de acordar cedo»; «Eles haviam prometido acordar cedo». Até aqui tudo (mais ou menos) bem: ninguém diz (ainda) «Ele hão coisas do diabo!»
O pior é mesmo quando o verbo haver, na função de verbo principal, se faz acompanhar de verbo auxiliar: «Começa a haver problemas» (e não «começam a haver»); «Pode haver problemas» (e não «podem haver»); «Está a haver problemas» (e não «estão a haver»).
Numa ronda rápida pela imprensa, encontramos com facilidade casos destes:
«A ministra acrescentou que este ano deverão ainda haver mais algumas contratações (…)» (Público online, 1/9/07);
«O Parlamento Europeu pede à Comissão Europeia que altere o regulamento, ressalvando que podem haver alterações perante novos factos» (SIC online 5/9/07);
«O presidente do CDS-PP madeirense (…), admitindo que "possam haver negociações sobre outras matérias"...» (TSF online, 9/8/07).
Se o leitor não estremeceu ao ler estes excertos, acautele-se.
Artigo publicado no semanário Sol de 22 de Setembro de 2007, na coluna Ver como Se Diz.