A confusão está por todo o lado, na rádio, na televisão, nas ruas.
Consideremos um verbo da primeira conjugação, por exemplo, o verbo falar. Falamos é a primeira pessoa do plural do presente do indicativo. Falámos é a primeira pessoa do plural do pretérito perfeito do indicativo. Conforme se pode ver, até há, na escrita, o acento agudo a marcar a diferença. E, no entanto, ouve-se, quase constantemente, enunciados como este: «Nós ontem na reunião falamos…, combinamos…, acertamos…», em que a forma verbal é pronunciada com a vogal a semifechada, passando a não haver distinção entre o presente e o pretérito.
Mesmo aos ouvidos mais liberais isto causa acentuada irritação.
Percebemos, por exemplo, que os falantes mais destravados digam "competividade" em vez de competitividade: a primeira sílaba em repetição não se ouve bem e, como tal, tende a ser omitida. Compreendemos que alguns se enganem e digam "fraticida" em vez de fratricida, porque fratricida é difícil de pronunciar, pois não há muitas mais palavras em português com esta sequência directa fr — tr.
Mas competividade não se opõe a competitividade, porque competividade não existe; nem fraticida se opõe a fratricida, porque fraticida não existe. Mas falámos opõe-se a falamos: está em causa uma oposição funcional. Por outras palavras, basta apenas a abertura ou o fechamento da vogal para termos logo duas formas diferentes, com valores diferentes. O mesmo acontece, por exemplo, com avô-avó; sede (local de uma administração) e sede (sensação causada pela necessidade de beber), etc.
A indistinção falámos-falamos está-se a espalhar muito rapidamente. E, neste caso, indiscutivelmente, há empobrecimento da língua porque o verbo, antes, tinha autonomia para marcar se a acção designada estava no presente ou no pretérito e, agora, só através do advérbio ou do contexto é que percebemos em que tempo se situa a acção.
*Artigo publicado no semanário Sol de 28 de Julho de 2007, na coluna Ver como Se Diz