Do Iraque – esplendores, misérias e também línguas - Diversidades - Ciberdúvidas da Língua Portuguesa
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Do Iraque – esplendores, misérias e também línguas
Do Iraque – esplendores, misérias e também línguas
Duas décadas depois da invasão

«[...] [A] maior parte do território que hoje constitui o Iraque fez parte da Mesopotâmia, área delimitada pelos rios Tigre e Eufrates, considerada um dos berços da civilização

 

O Iraque tem uma extensão de 438 317 km2 (mais de quatro vezes a de Portugal) e é limitado pela Jordânia a oeste e, no sentido horário, por Síria, Turquia, Irão, Koweit, Golfo Pérsico e Arábia Saudita. Foi parte do Império Otomano até 1919 e do Britânico até 1932, mantendo-se forte influência do Reino Unido na governação do país ao longo de décadas. Em 1968, teve início a República Baathista, da qual Sadham Hussein foi figura dominante entre 1979 e 20 de março de 2003, data do início da invasão pelos EUA. O Iraque tem uma população de c. 45 milhões de habitantes (2023), maioritariamente árabe e curda (c. 15%); era em 2021 o quinto maior produtor mundial de petróleo.

A Constituição de 2005, consagra o Iraque como estado «republicano, representativo, parlamentar e democrático» (Art.º 1.º), que tem o Islão como religião oficial, mas onde é garantida liberdade religiosa «a todos os indivíduos tais como cristãos, yazidis e mandeus» (Art.º 2.º). O Art.º 3.º reconhece-o como «país de múltiplas nacionalidades, religiões e seitas» e o Art.º 4.º estabelece as bases da política linguística nacional: determina-se que o árabe e o curdo são as línguas oficiais e define-se o escopo deste termo; garante-se o direito de turcomanos, sírios e arménios a educarem as crianças nas suas línguas maternas; estabelece-se o uso de árabe e curdo pelas instituições e agências federais e oficiais do Curdistão, que as línguas turcomana e síria são outras línguas oficiais em unidades administrativas onde são densamente faladas e que cada região ou governo local pode adotar outra língua como oficial adicional, se a maioria da população o decidir através de referendo.

De acordo com o World Report 2022 (Human Rights Watch) em 2021 a situação no Iraque caracterizava-se pelas prisões arbitrárias, desaparecimentos forçados e execuções de oposicionistas, ativistas, jornalistas e críticos dos grupos políticos e armados, pelo uso da tortura e pena de morte por autoridades judiciais, pela falta de sanções contra militantes do ISIS condenados internacionalmente por crimes de guerra, contra a humanidade e genocídio, e por crimes contra mulheres das minorias yazidi, turcomana, cristã e shabak. Em contraste com este panorama contemporâneo, a maior parte do território que hoje constitui o Iraque fez parte da Mesopotâmia, área delimitada pelos rios Tigre e Eufrates, considerada um dos berços da civilização. Nela ocorreram os primeiros desenvolvimentos da Revolução Neolítica (c. 10 000 a.C.), incluindo o desenvolvimento da matemática, da astronomia e da agricultura; nela se abrigaram, na Idade do Bronze, a Suméria (berço da escrita cuneiforme, uma das mais antigas do mundo) e os impérios Acádio, Babilónico e Assírio, cujo esplendor, embora mencionado nas aulas de História, o é sem referência à sua localização geográfica presente.

«Longe da vista, longe do pensamento» é um provérbio que expressa a dificuldade em recordar pessoas e eventos que não estão presentes ou não são lembrados com frequência. Esta verdade ineludível explica que, se se quiser que uma sociedade não reflita sobre um evento e o compare com outro(s) da atualidade, basta não o mencionar, fingir que não aconteceu, riscá-lo da História. As tímidas (envergonhadas?) referências, na nossa comunicação social, aos destinos do Iraque, na data em que se comemorou o 20.º aniversário da invasão norte-americana do país, podem, assim, ser entendidas como estratégia para não deixar perceber que o Ocidente prega como Frei Tomás

Fonte

Artigo de opinião publicado no Diário de Notícias em 27 de março de 2023.

Sobre a autora

Margarita Correia, professora  auxiliar da Faculdade de Letras de Lisboa e investigadora do ILTEC-CELGA. Coordenadora do Portal da Língua Portuguesa. Entre outras obras, publicou Os Dicionários Portugueses (Lisboa, Caminho, 2009) e, em coautoria, Inovação Lexical em Português (Lisboa, Colibri, 2005) e Neologia do Português (São Paulo, 2010). Mais informação aqui. Presidente do Conselho Científico do Instituto Internacional da Língua Portuguesa (IILP) desde 10 de maio de 2018. Ver, ainda: Entrevista com Margarita Correia, na edição número 42 (agosto de 2022) da revista digital brasileira Caderno Seminal.