«O mercado de trabalho exige cada vez mais competências de alto nível em língua inglesa e é quase impossível frequentar um curso superior em Portugal sem saber inglês.»
Passei os olhos pelos resultados do EF English Proficiency Index (Índice de proficiência em inglês) de 2023. Os dados resultam da análise de 2,2 milhões de testes de proficiência em inglês realizados em 123 países. A EF (Education First) é uma associação de empresas de educação que vende «intercâmbios culturais, académicos e linguísticos e programas educativos de viagens», criada na Suécia em 1965. A idade média dos examinandos é de 26 anos e a maioria é do sexo feminino, 55%, embora haja países onde a proporção é de 38 homens para cinco mulheres. A região com maior proficiência em inglês é a Europa, seguida da Ásia, América Latina, África e Médio Oriente. Em termos profissionais, as áreas em que a proficiência em inglês é mais significativa são: a aviação; os media, desporto e entretenimento; os serviços profissionais. Em termos de cargos ocupados, na Europa são os executivos os que têm menor proficiência em inglês, seguidos pelo grupo dos gestores e o do restante pessoal (staff), que apresenta os níveis de proficiência muito elevados. Os objetivos do “estudo” serão mais empresariais do que científicos, mas, ainda assim, os dados convidam a uma breve reflexão sobre o inglês no espaço da língua portuguesa.
Os países de língua portuguesa incluídos são Portugal (com escritórios desde 1991), Brasil (desde 1987) e Angola (desde 2022). Portugal encontra-se no oitavo lugar absoluto dos países com proficiência muito elevada em inglês, apenas ultrapassado pelos Países Baixos, Singapura, Áustria, Dinamarca, Noruega, Suécia e Bélgica. Entre 2022 e 2023, o país registou uma queda de sete pontos (de 614 para 607); de resto, constata-se quebra semelhante na maioria dos países analisados. O Brasil regista uma baixa proficiência em inglês (487 pontos) e Angola situa-se no nível de proficiência muito baixa (416 pontos).
Não é difícil encontrar fatores que ajudem a explicar os excelentes resultados de Portugal. Desde logo, são fatores decisivos a promoção do inglês a quase única língua estrangeira ensinada no sistema público, que começou no início da década de 90 com a reestruturação curricular dos ensinos básico e secundário e a introdução do ensino obrigatório do inglês no 3.º ano de escolaridade, no início deste século. O mercado de trabalho exige cada vez mais competências de alto nível em língua inglesa e é quase impossível frequentar um curso superior em Portugal sem saber inglês, não apenas nas ciências exatas, da saúde e tecnologia, mas também nas humanidades, dada a supremacia de bibliografias em inglês. A maioria do entretenimento consumido é falado em inglês e legendado. A área de investigação científica e tecnológica encontra-se dominada pela produção em língua inglesa, por força das políticas de financiamento de projetos – e.g. atualmente, a Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) escolhe a “internacionalização” (leia-se, produção em inglês) como principal objetivo para o próximo triénio e obriga todos os investigadores a traduzir os seus CV na plataforma Ciência Vitae para inglês. Tudo isto acontece apesar de o discurso político «para inglês ver» jurar amor pela língua portuguesa e compromisso com o multilinguismo.
Sejamos claros. Ter elevada proficiência em inglês não é, em si mesmo, uma desvantagem. Os resultados alcançados por Portugal dão conta do impacto do sistema público de ensino e do compromisso do país com a Europa “civilizada”. Fica é a língua portuguesa a perder, assim como aqueles que a falam.
Artigo de oponião publicado no Diário de Notícias em 15/01/2024.