A amiga Rosa, assídua participante das aulas de fitoterapia que regularmente acontecem na Escola Comunitária de Alcochete, costuma trazer uns miminhos da sua quinta para adoçar a boca dos restantes companheiros. Desta vez veio com umas laranjinhas ovais, recomendando para se comer também a casca desses pequenos frutos. É que, ao contrário de todos os citrinos que conhecemos, a casca é adocicada e mais saborosa do que a própria polpa. A malta estranhou, provou e gostou!
Ora esta simples ocorrência buliu na memória do escriba e levou-o a recordar prazenteiramente a experiência vivida na China há dez anos. Foi na ilha de Hainan que os Chineses consideram a segunda maior do país. Como é evidente, a primeira é Taiwan, ou Formosa, apesar de os americanos tudo fazerem para a retirar do ‹‹império celeste». Pois a ilha de Hainan, com 8 milhões de habitantes, situada a sul de Macau, acolheu na universidade de Haikou, sua capital, um conjunto de esperantistas de várias partes do mundo para apoiar os jovens universitários no aprofundamento do estudo da língua internacional. O evento durou um mês e, como é de calcular, proporcionou troca de saberes, curiosas iniciativas culturais e amistosos convívios. A este propósito, terei prazer em enviar a croniqueta dessa viagem a quem eventualmente queira satisfazer a sua eventual curiosidade.
Em determinada altura, houve uma pausa dos trabalhos de três dias por motivo das festivas comemorações do Ano Novo Lunar e foi aí que travei conhecimento com os cunquates, ou kumqwat, ou fortunellas que dão pelo nome científico de Citrus japonica ou Fortunella spp. Parece que os botânicos ainda não se entenderam quanto à classificação da espécie. No princípio, acomodavam-na no género dos citrinos, depois disseram que era, com eles, apenas aparentada, incluindo-a na família das Rutaceae.
O nome que escolhi para título é o aportuguesamento dos vocábulos cantoneses kam que significa ‹‹dourada›› e kwat que quer dizer ‹‹laranja»», ou seja, globalmente, ‹‹laranja dourada››. Decorria o mês de janeiro e, de entre os multicoloridos e ruidosos festejos, sobressaíam, captando o encanto dos visitantes, aquelas pequenas árvores carregadinhas de cintilantes frutos. Estavam principalmente à entrada dos hotéis e edifícios públicos alindando os entornos.
Versatilidade culinária
Vamos então caracterizá-la e analisar os seus préstimos, para além da sua espetacular ornamentalidade.
Esta planta cítrica, apesar de ostentar o epíteto japonica num dos seus nomes latinos, é nativa da China. Ela só foi introduzida e divulgada na Europa em 1846, pelo inglês Robert Fortune e a partir daí passou a designar-se também como fortunella. Curiosamente, é particularmente estimada na Ilha de Corfu (Grécia), onde os frutos fazem parte de vários acepipes da culinária local.
O arbusto, ou pequena árvore, é densamente ramificado e pode atingir, paulatinamente, visto que o seu crescimento é lento, no máximo, cinco metros de altura.
As folhas são alternas, lanceoladas, coriáceas, finamente dentadas, de cor verde escura e brilhante.
As flores são brancas, como aliás acontece com as dos citrinos conhecidos, se bem que mais pequenas, axilares, hermafroditas e perfumadas.
Os frutos são oblongos ou ovoides não ultrapassando os 5 cm de comprimento. Têm pele fina alaranjada e brilhante e são muito suculentos. A polpa é ligeiramente ácida, mas a casca, como já foi dito, é doce e comestível. Cada arbusto, aquando na sua maior pujança, pode produzir anualmente milhares de frutos. As sementes são revestidas de película branca.
A espécie é bastante resistente, suportando geadas e temperaturas negativas. Hibrida com muita facilidade, cruzando-se com outras plantas cítricas. Comercialmente, existem seis tipos de cunquates que variam ligeiramente nos formatos e nas cores que vão do amarelo ao vermelho. Para além do sul da Europa, com destaque para a Grécia, há culturas na América do Sul e na Florida. Na Ásia (China, Japão, Índia, Malásia…) o cultivo é intenso.
A versatilidade culinária dos cunquates, aliada ao seu valor nutricional, faz com que a sua utilização gastronómica seja importante em vários países na confeção de compotas, geleias, picles, frutas cristalizadas, licores e guarnição de pratos. A essência obtida das folhas pode ser usada em licores, perfumaria e cosmética.
Apurou-se que os frutos são ricos em óleos essenciais (especialmente limoneno), hidratos de carbono, potássio, cálcio, fósforo, magnésio, betacaroteno, vitamina C e vitaminas do complexo B.
Apontam-se, entre as suas propriedades fitoterápicas, as seguintes: digestiva, carminativa, antitússica, expetorante, antioxidante, antidiabética, antiobesidade, anti-inflamatória, antimicrobiana, etc. No Oriente conservam os frutos em salmoura a fim de os utilizarem posteriormente em preparados para debelar dores de garganta.
Bem, mas quem se depara, pela primeira vez, com estas curiosas ‹‹laranjinhas» o melhor é comê-las com casca e tudo!