Já ouviram falar do feijão “tarrestre”? Pois é um feijão maneirinho, de fácil cozedura e, dizem, de soberbas propriedades alimentícias. Foi este feijanito, que acabámos de conhecer, o inspirador da presente croniqueta sobre o Phaseolus vulgaris, leguminosa vulgaríssima com milhares de espécies, umas bastante conhecidas e conceituadas, outras quase raras, como parece ser o caso deste tarrestre. Mas vamos devagar para bem contar a história! Foi num belo passeio ao Alto Minho, deambulando por regalados verdes, uns brilhantes, outros baços, outros acinzentados, outros arruivados, outros ainda amarelo pálidos como os tão afamados vinhos verdes, que descobrimos gente afável e simpáticos viventes. Para além do feijão “tarrestre”, havia também vacas “cachenas”, cães “sabujos” e cavalos “garranos”. Caminhando pelo vale do rio Vez que, segundo reza a tradição, foi onde Portugal se fez, calcorreámos um troço de 6 quilómetros que nos levou à freguesia do Sistelo. O rio, fragoso, buliçoso e caudaloso, a despeito de estarmos em pleno verão, estava rodeado de encantos. Pela ecovia, provida de cuidados passadiços, fomos anotando despreocupadamente as espécies arbóreas e as simples ervinhas que nos saltavam à vista desarmada naqueles solos graníticos: amieiros, freixos, loureiros, carvalhos, castanheiros, aveleiras, sabugueiros, urzes, giestas, azevinhos, videiras-bravas, dedaleiras, milfuradas, heras, macelas, orégãos, fetos, musgos…Esta escapadela de quatro dias deu ainda para visitar o Centro de Interpretação do Mezio, numa das entradas do Parque Nacional do Gerês, a aldeia do Soajo, Arcos-de-Valdevez, Vila Nova da Cerveira e Viana do Castelo.
No restaurante Cantinho do Abade, ex-libris do Sistelo e da Serra da Peneda (passe a publicidade), foi-nos servido um almoço provido de iguarias regionais onde não faltou o tal típico feijão. Por sorte, conseguiu-se adquirir a última embalagem de 0,5 kg que se encontrava à venda na pequena loja local. O pacote contém a seguinte descrição: nutricionalmente rico em fibra e ácidos gordos insaturados, é um alimento benéfico para uma correta dieta alimentar.
Grande diversidade genética
Centremo-nos agora nas características do Phaseolus vulgaris, leguminosa de grande diversidade genética, nativa da América Central, com o registo atual de mais de 14 mil variedades cultivares. Algumas afloram-nos à memória: catarino, manata, manteiga, frade, mungo, roxo, branco, preto, azuki (japonês), carrapato (para cozinhar as vagens verdes) … Também as comidas: feijoada à brasileira, feijoada à transmontana, sopa juliana (com as vagens verdes), sopa da pedra, sopa de corno (podemos explicar a receita a quem estiver interessado), sopa caramela, a cubana moros y cristianos, a fabada asturiana (cuidado com as palavras falsas amigas porque, lá, chamam favas às feijocas), a angolana mufete com óleo de palma, ou ainda o pastel-de-feijão (doçaria tradicional de Torres Vedras) … que sei eu? Lembro-me que, no tempo da escassez, o jantar familiar era invariavelmente «sopa de feijão». O que mudava era o entulho. Um dia era com arroz, noutro dia com massa, noutro com pão duro empapado, mas sempre com hortaliça ou abóbora. Só aos domingos é que a ementa era enriquecida com a cozedura de três quartas de carne de bovino (375 gramas), que rendia para quatro ou cinco esfomeados comensais.
Nos terrenos agrícolas, depositava-se na primavera, ainda antes de se “arrancar” as batatas, 5 ou 6 feijões em covatos, alternando-se com a sementeira de 2 bagos de milho noutros covatos. O feijão sempre se deu muito bem com o milho pois fornecia-lhe o precioso nitrogénio fixado nos nódulos das raízes, atributo, aliás, de todas as plantas da família das Fabaceae.
Desde há 9 mil anos que o feijão faz parte da dieta humana, mas, nesses recuados tempos, só para os ameríndios. Nas antigas Grécia e Roma desconhecia-se completamente tal leguminosa, hoje imprescindível na culinária mundial. Foi só com a descoberta da América que se iniciou a sua globalização. O feijoeiro é uma herbácea anual trepadora com folhas alternas e flores papilionáceas que podem ser brancas, amarelas, violetas ou vermelhas. As vagens são oblongas, algo curvadas, bicudas com 4 a 10 sementes deiscentes (feijões). Constituintes detetados: proteínas, fibras, amido, sais minerais, com realce para o cálcio, o ferro, o magnésio, o fósforo e o potássio e praticamente todas as vitaminas do grupo B, com exceção da B12. O feijão cru integra, todavia, um elemento tóxico chamado fasina, o qual felizmente desaparece com a cozedura.
Alerta-se para o facto de que o feijão, insuficientemente cozinhado e mal digerido, originar arreliadoras flatulências que podem ser atenuadas com a adição de algas “kombu”, cujo tempo de cozedura tem sensivelmente a mesma duração. Em fitoterapia, a decocção da planta do feijoeiro antes da sua maturidade é utilizada popularmente nos países orientais para prevenir a aterosclerose e as doenças cardíacas, afirmando-se que aglutina os glóbulos vermelhos.
Venha, agora, a feijoada bem adubada e nutritiva!
Crónica de Miguel Boieiro publicada originalmente em UNICEPE — Espaço Associados