1. Comecemos pelo ensino do Espanhol no Brasil e do Português nos países fronteiriços, nomeadamente Argentina e Uruguai. Antecipo, desde já, que são realidades que conheço de perto. E o primeiro ponto a sublinhar é o seguinte: considero que o intercâmbio Espanhol/Português na América do Sul é unilateral. Sim, o Português tem uma abrangência muito maior, tanto em espaço físico como em faixas etárias alcançadas pelo ensino público e privado nos países do Cone Sul. Basta referir o trabalho que já vinha sendo levado a cabo pelo Governo brasileiro através de suas representações diplomáticas e respetivos setores de fomento cultural nos dois países mencionados. Esse trabalho, embora originado nesses dois países, é irradiado para outros tantos como o Chile, o Paraguai e a Venezuela, cujos professores de Português Língua Estrangeira (PLE) se submetem a reciclagens e formações continuadas oferecidas, sobretudo, pela Funceb, o órgão responsável em Buenos Aires pelos cursos de PLE bem como pela formação de professores na área.
2. Há um curso chamado Professorado, que é levado a cabo por professores da Funceb e que visa a formação de novos profissionais de PLE. Esses profissionais são então aproveitados no movimentado mercado de trabalho de PLE existente em toda a Argentina, país no qual não só o ensino privado e de cursos livres, mas também o ensino básico, oferecem um bom número de vagas para estudantes de PLE. No caso do ensino básico, temos duas realidades próximas: os CEB que difundem o Português para estudantes jovens e adultos no âmbito da educação federal e o projeto da Cidade de Buenos Aires para o ensino básico. Em Buenos Aires há um projeto chamado "Escolas Bilingues" em andamento desde 2001 através do qual determinadas escolas oferecem o Português como segunda língua desde o primeiro ano de escola. Que eu saiba, no Brasil, não temos nenhuma iniciativa semelhante. O que temos é o oferecimento de opção pelo Espanhol, como Língua Estrangeira, concorrendo com o Inglês, a partir do primeiro ano do 2º. grau, curso que integra o que se chama hoje de ensino médio, e que atinge jovens dos 14 aos 18 anos. Além disso, há alguns cursos livres que vendem o ensino de Espanhol, sem nenhum apoio do Governo brasileiro. Outro núcleo de formação de professores, em Buenos Aires, chama-se Instituto Lenguas Vivas, com um curso de 4 anos, 4h/dia, 5 dias/semana, formando professores de PLE. Aparentemente, este instituto está ligado ao Instituto Camões e é de âmbito federal. Além dele, há ainda o Joaquin V. González, outra conceituada instituição de formação de professores.
3. Por meu lado, por incrível coincidência, acabo de chegar, nesta data em que redijo este comentário, de Buenos Aires, onde ministrei uma das disciplinas de PLE, num curso chamado Formação de Professores de Português como Língua Estrangeira, Especialização "latu-sensu", oferecida pela Pontifícia Unviersidade Católica do Rio de Janeiro, a pedido da Funceb - Fundação Centro de Estudos Brasileiros, intituição já mencionada, que funciona como o braço cultural da Embaixada Brasileira em Buenos Aires. O que vi lá foi um número considerável de profissionais, buscando aperfeiçoamento, uma vez que o mercado de PLE explodiu a partir de 1995, com o surgimento do Mercosul. Ou seja, muitas empresas já prestam ou querem prestar serviços e vender mercadorias ao imenso mercado consumidor falante de português no Brasil e, para tal, precisam entender e se fazer entender. O que nos leva a um ponto muito importante, se uns estão aprendendo a língua dos outros, não é para fins de dominação, mas para que a propalada intercompreensão torne-se uma realidade e leve a uma maior integração e consequente progresso de todos os envolvidos. Ao dizer isto, faço minhas, ainda que apenas em parte, as palavras de um desses professores com quem partilhei conhecimentos e experiências nas duas últimas semanas.
4. Apenas a título ilustrativo: a Argentina tem cerca de 32 milhões de habitantes, pouco mais do que a população da Grande São Paulo e, só na Funceb, estudam em cada semestre à volta de 2000 alunos. O Brasil tem 170 milhões de habitantes, e no laboratório de idiomas da PUC-Rio, o número de alunos de Espanhol, por semestre, não ultrapassa 50 indivíduos. Tomando esses exemplos como uma amostragem, considero que, em termos relativos, apenas na Argentina há mais pessoas aprendendo Português do que Espanhol no Brasil.
5. Ao contrário do que afirma o consulente Lorenzo Salvioni eu não me coloco em momento algum como defensora da Língua Portuguesa, pois não vejo necessidade disso. Coloco-me, sim, como falante e especialista em alguns assuntos relacionados com a Língua Portuguesa.
6. Passemos agora ao polêmico deputado federal Aldo Rebelo. Desde que ele apresentou seu projeto na Câmara de Deputados e foi interpelado por profissionais da área da Lingüística/Linguística, em momento algum dignou-se discutir o assunto a que se vem dedicando há anos.A verdade é que Aldo Rebelo age como se o Português no Brasil corresse algum risco de se "descaracterizar" pela invasão de estrangeirismos. Primeiro, seria preciso que ele fosse capaz de definir o que é "descaracterizar uma língua". Depois seria necessário que ele definisse em que âmbitos - e os há, sem dúvida - deveria ser coibido o uso de estrangeirismos. Em terceiro lugar, deveria haver um mínimo de lucidez ao propor multas para o uso de termos estrangeiros que já se encontram disseminados no vocabulário diário e que serão em breve, se já não o foram, aportuguesados, tanto em termos fonológicos como ortográficos e se tornarão, caso permaneçam no uso da língua, tão inócuos - em termos de ameaça ao idioma - como as palavras guichê</>, futebol ou panetone.
7. Quanto ao filme de Babenco, pouco posso comentar, uma vez que não tive ainda a oportunidade de vê-lo. Posso porém adiantar, por intuição, que filmes, enquanto obras de arte e produtos de autoria, tomam licenças que só se explicam dentro do contexto em que foram criados e, por isso mesmo, oferecem campo para muita discussão e poucas conclusões objetivas. Por outro lado, denúncias de obras de arte me levam a pensar em períodos de triste memória da História da Humanidade em que se queimavam livros e até pessoas "por dá cá aquela palha", segundo os humores e temores dos inquisidores ou censores de plantão...
[Para mais informações sobre o projeto/projecto do deputado federal Aldo Rebelo e os comentários da comunidade de lingüistas no Brasil, sugiro a leitura do livro Estrangeirsmos - Guerras em torno da língua, organizado por Carlos Alberto Faraco (Parábola Editorial, São Paulo, 2001). Nele se encontram textos de conceituados profissionais da Lingüística no Brasil, tais como José Luiz Fiorin, Sírio Possenti, Marcos Bagno, Pedro Garcez, Ana Maria Zilles, entre outros. E sugiro, igualmente, a leitura do precioso texto da Professora Margarita Correia, na rubrica O Português na 1.ª Pessoa, sobre dicionários como forma de exemplificar nuances existentes no fenômeno da linguagem e seus produtos. A consideração da existência de nuances seria de grande ajuda tanto para os falantes em geral como para o deputado Aldo Rebelo.]