Embora haja autores que equacionam a possibilidade de o verbo parecer, em frases destas, seleccionar um complemento directo (e não um sujeito), como não são referidos argumentos que justifiquem a categorização do verbo parecer como transitivo directo, considero que, na frase «Parece-me que estou ouvindo S. Mateus.» (reduzi a frase original ao essencial), a oração «que estou ouvindo S. Mateus» desempenha a função sintáctica de sujeito do predicado «parece-me».
Para clarificar, vou, em primeiro lugar, citar autores de referência que apresentam esta perspectiva e, depois, dar a respectiva explicação.
1. Citações
1.1. Na Moderna Gramática Portuguesa, de Evanildo Bechara, pág. 565 (37.ª edição, 2003), é tratado o sujeito oracional, sendo dado como exemplo precisamente uma frase com o verbo parecer:
«Fica no singular o verbo que tem por sujeito uma oração que, tomada materialmente, vale por um substantivo do número singular e do gênero masculino:
Parece que tudo vai bem.»
1.2. Na Nova Gramática do Português Contemporâneo, de Celso Cunha e Lindley Cintra, págs. 163 a 166 (2.ª edição, 1984), é tratada a rubrica «Inversão verbo + sujeito» (situações em que o sujeito é colocado depois do verbo, contrariamente à ordem natural das palavras na frase), e, na pág. 166, surge também um exemplo com o verbo parecer:
«A oração subordinada substantiva subjectiva coloca-se normalmente depois do verbo da principal:
Parece que vamos ter um belo dia de sol, depois de uma noite de vento e chuva.»
1.3. Na Syntaxe Historica Portuguesa, de Epifânio da Silva Dias, págs. 257, 258 (1916), é referido o que se segue, com exemplos em que se empregam os verbos semelhar (no sentido de parecer) e parecer:
«Uma or. de que pode ser sujeito de verbos intransitivos (...):
semelhava que todos os fundamentos da terra se moviam; (...)
Não vos parece que he terrivel cousa ser a morte momentanea?»
2. Explicação
2.1. Os verbos que admitem orações completivas com a função de complemento directo são, naturalmente, verbos transitivos directos. Ora, o verbo parecer é, na sua essência, um verbo copulativo, pedindo, portanto, um predicativo do sujeito, e não um complemento directo (exemplos: «as pessoas parecem felizes»; «pareceu-lhe ridícula a atitude deles»; «parece-me legítimo que eles façam essa escolha»).
2.2. O verbo parecer não é classificado como verbo impessoal (como, por exemplo, o verbo haver ou o verbo chover), pelo que não se pode considerar a existência de um sujeito nulo expletivo, havendo necessidade de se conceber um sujeito. E o sujeito está lá: estar a ouvir S. Mateus afigura-se-lhe, surge como algo que parece ser verdade. Aliás, o verbo parecer no sentido de «afigurar-se-lhe», «surgir como uma hipótese verdadeira aos olhos de alguém», «ser (algo) verosímil», «ser (algo) provável» (que é o significado com que surge na frase apresentada) tem subentendido um predicativo do sujeito: «estar a ouvir S. Mateus parece verdade», «parece-me verdade (certo, real) que estou ouvindo S. Mateus», «isso parece verdadeiro», «isso parece real».
Tal como há verbos transitivos que admitem queda do complemento directo, tornando-se pontualmente intransitivos (exemplo: «O Paulo comeu demais»), também se pode considerar, com o verbo parecer, que há queda do predicativo, pois este é um verbo que normalmente pede um predicativo. Em situações como a da frase apresentada, o verbo parecer ganha assim o sentido total de «parecer verdadeiro», «parecer a realidade», «parecer ter existência».
2.3. Um dos testes de verificação do complemento directo, quando este é de natureza frásica, é o da sua substituição pelo pronome clítico «o». Ora, na frase em causa – «Parece-me que estou ouvindo S. Mateus.» –, não é possível substituir a oração «que estou ouvindo S. Mateus» pelo pronome «o», pois a frase torna-se agramatical (*«Parece-me o»).
2.4. As orações completivas com a função de sujeito podem ser substituídas pelo pronome «isso», o que acontece neste caso. É verdade que, se a oração desempenhasse a função de complemento directo, também poderia ser substituída por «isso», mas o que importa é que, para desempenhar a função de sujeito, é obrigatória a possibilidade dessa substituição, e isso verifica-se.
2.5. Finalmente, dever-se-á referir o conceito de sujeito. O sujeito é o tópico, o assunto acerca do qual se predica algo. Estar a ouvir S. Mateus é a situação que surge como parecendo real aos olhos do emissor da frase: a respeito do assunto «estar a ouvir S. Mateus» (sujeito) diz-se que tal situação se afigura como real a alguém (predicado).
Enfim, pelo exposto, considero que o termo em causa (que estou ouvindo S. Mateus) é o sujeito da forma verbal parece-me.
Cf. Parece-me que + complemento direto ou sujeito?; A inaceitável hipótese transitiva do verbo parecer; ; Parece-me + complemento direto