Observem-se os seguintes exemplos:
V. ACONTECER
(1) Aconteceu uma tragédia.
(2) Aconteceram várias tragédias.
(3) Aconteceu que ela abandonou os filhos.
O v. acontecer é um verbo de um lugar, i.e., seleciona apenas um argumento, o qual desempenha a função de sujeito (veja-se a concordância em 2). Este pode ser nominal (cf.1 e 2) ou frásico (3).
V. HAVER
(4) Houve uma tragédia.
(5) Houve várias tragédias.
(6) * Houve que …
O v. haver é um verbo de um lugar, i.e., seleciona apenas um argumento, o qual desempenha a função de compl. direto. Este só pode ser nominal (cf. 4 e 5) e nunca frásico (cf. *6).
V. PARECER
(7) Esses homens parecem felizes.
(8) Esses homens parecem magnatas.
(9) Parece que esses homens são magnatas.
(10) Esses homens parece que são magnatas.
O v. parecer é, SEM DÚVIDA, um verbo de DOIS lugares, i.e., seleciona DOIS argumentos.
Enquanto v. copulativo, o 2.º argumento desempenha a função de predicativo do sujeito – que pode ser um adjetivo (cf. 7) ou um nome (cf.8).
Enquanto v. transitivo, o 2.º argumento é oracional (cf. 9 e 10).
Quando comunicamos, nós, falantes, limitamo-nos a fazer uma coisa: dizer alguma coisa acerca de alguém/alguma coisa. Em linguagem sintática, refiro-me às duas funções sintáticas nucleares – o sujeito e o predicado, sem as quais não temos uma frase.
Ora, nas estruturas com o v. parecer copulativo, o predicado é [parecem felizes/magnatas]. É esta a informação nova que dizemos sobre o sujeito [esses homens].
Nas estruturas transitivas, com uma oração completiva, o predicado é [parece que esses homens são magnatas]. É esta a informação nova que dizemos sobre um sujeito nulo (cf. 9).
A presença do SN [esses homens] em (10), na posição típica do sujeito, justifica-se porque esse constituinte sofreu uma deslocação (ou elevação, noutra terminologia linguística) do constituinte onde foi gerado – o complemento direto – no qual era sujeito da oração completiva. Repare-se que o mesmo não desencadeia a concordância verbal com o v. parecer.
Por estes argumentos, a oração «que estou ouvindo a S. Mateus» desempenha, do meu ponto de vista, a função sintática de complemento direto.
Cf. Parece-me que + complemento direto ou sujeito?; A inaceitável hipótese transitiva do verbo parecer; Parece-me + sujeito oracional;