Resposta de um dos principais críticos em Portugal à nova reforma do português escrito ao artigo Onze teses contra os inimigos do Acordo Ortográfico, publicada no Diário de Notícias de 17 de agosto de 2011.
Sob o título arrasador de "Onze teses contra os inimigos do Acordo Ortográfico", o Público de 9 de Agosto publicou um artigo da autoria de Fernando dos Santos Neves, de quem somos informados ter sido «criador da primeira licenciatura portuguesa de Ciência Política, primeiro reitor da Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias e da Universidade Lusófona do Porto». E segundo leio na Internet, o autor do artigo, entre muitas outras qualificações e actuações tão famosamente retumbantes quanto esmagadoras, fundou a «Sociedade Africanológica de Língua Portuguesa (SALP)» e lançou o epistemema (sim, leitores, o epistemema) «Ruptura Epistemológica Primordial» (REP) como «a passagem de uma concepção monoparadigmática e reducionista a uma concepção pluriparadigmática e aberta do próprio conceito de ciência».
Acresce que o número de «onze teses» configura já um autêntico estribilho curricular, uma vez que ele também é autor de mais «Onze Teses sobre o Ensino Superior em Portugal e no Espaço Lusófono».
Com tanta artilharia pluriparadigmática, os «inimigos do Acordo Ortográfico» não ganharam para o susto e ainda se arrepiaram mais ao lerem que, na nona tese, o autor propõe para a CPLP «o nome mais cairológico e menos restritivo de Comunidade Lusófona», implicando assim que a referência à língua portuguesa na sigla é afinal redutora. Adiante.
A primeira tese envolve uma referência a Marx com a fundamental apostilha epistemémica de que a preposição latina Ad significa «Contra». É tanto uma tese como dizer-se que o autor elucubrou o arrojado epistemema «Ruptura Epistemológica Primordial».
As restantes teses afinam por idêntico diapasão de pertinência... cairológica, com destaque para a quarta, de que se recorta o essencial: «bastaria um mínimo de lucidez para entender que é, precisamente, o Acordo Ortográfico que permitirá a continuação da existência da "Língua Portuguesa" no Brasil, etc., sem a qual ele, inevitavelmente se tornará, a breve trecho, a "Língua Brasileira", como de algum modo principiaria a ser o caso».
A prosa do criador do epistemema primordial é um tanto ou quanto rebarbativa. Repare-se naquele fatal «Brasil, etc.» e noutros requintes estilísticos de lógica expositiva e concordância gramatical. O mais curioso é que a tese, desta vez tão cairologicamente expendida em favor da designação da língua como «portuguesa» e figurando-se, a não ser assim, a emergência de «algum legítimo sofrimento para todos os portugueses», contraria mui convictamente os enérgicos epistememas das quinta, sexta, sétima e oitava teses.
Estas são um autêntico azorrague cairológico para, respectivamente, as motivações patrioteiras dos editores que não leram o pequeno ensaio que o autor publicou no Público em 2006; os que não vislumbram que o AO é «uma questão político-estratégica»; os que vão na «ressaca colonialista»; os que padecem do «síndroma salazarista de Badajoz» (ao que o próprio autor não escapa inteiramente, pois fala no «Governo da Nação»)...
É certo que os epistememas que lhes correspondem se antolham visceralmente dialécticos para o fundador da Sociedade Africanológica de Língua Portuguesa (SALP), maxime o da sétima tese, pois esta permite estender a qualificação de «ressaca colonialista», não se sabe se «de antanho» ou «de sempre», não se sabe se cronológica se cairológica, à posição das repúblicas populares de Angola e de Moçambique que não ratificaram o AO.
Mas faça-se justiça. Há pelo menos duas das onze gloriosas que podemos reputar de verdadeiramente epistemémicas e inovadoras. Trata-se da terceira e da décima primeira: o autor, depois de reconhecer que «do ponto de vista técnico-linguístico» o Acordo Ortográfico «padece de muitos defeitos e carece de muitos aperfeiçoamentos», sustenta que «a sua principal virtude é existir» (3.ª) e ainda que «o que importa, agora, é efectivamente começar a praticá-lo» (11.ª).
Da conjugação destas duas teses decorre, do enfático ponto de vista do criador do epistemema "Ruptura Epistemológica Primordial", que um chorrilho de asneiras deve ser o factor de aproximação da maneira de escrever a língua portuguesa nos vários espaços em que é falada.