A pergunta que nos faz a consulente já foi tratada algumas vezes no Ciberdúvidas. Indicamos abaixo três hiperligações que poderá consultar. Podemos, no entanto, acrescentar, muito brevemente, que o uso do pretérito imperfeito para exprimir um desejo se relaciona com o modo.
Tenhamos em consideração os exemplos apresentados pela consulente:
a) «Gostava de ir à China.»
b) «Eu, em criança, gostava de ir à praia.»
Leia-se:
«se pensarmos que um modo tem alguma especificidade semântica que não se pode confundir com tempo, então podemos encontrar vários contextos em que aqueles tempos gramaticais funcionam como modos, uma vez que não marcam uma localização temporal relativa a um passado ou a um presente» (Mateus et alii, Gramática da Língua Portuguesa, 2003, pág. 256).
Posto isto, e analisando as frases acima, é possível compreender que, apesar de em a) e b) estarmos perante o mesmo tempo, o pretérito imperfeito, este assume diferentes valores. Em a), exprime um desejo, e poderia comutar com o condicional (por ex.: «Gostaria de ir à China»), cada vez mais em desuso na oralidade, pelo menos, em português europeu;1 em b), marca uma localização no passado (em criança).
Sempre ao dispor.
1 A respeito do português do Brasil, leia-se o que diz Evanildo Bechara, na Moderna Gramática Portuguesa, 2002, pp. 277-278 (sublinhado meu):
«Emprega-se o pret. imperfeito quando nos transportamos mentalmente a uma época passada e descrevemos o que então era presente "Eugénia coxeava [...].
Nos pedidos e solicitações ou denota que duvidamos da realização do fato ou exprime um desejo feito com modéstia ou com o simples propósito:
"Queria viver para o seu filho — é como ele explicava o desejo da vida" [CBr.9,22].
Sr. Manuel, eu desejava telefonar.
Pode substituir, principalmente na conversação, o futuro do pretérito, quando se quer exprimir fato categórico ou a segurança do falante:
"Se me desprezasses, morreria, matava-me" [CBr.9, 19].
Observações:
1.ª) Emprega-se o pretérito imperfeito do verbo dever (fazer alguma coisa) em lugar do pretérito perfeito:
"Ele devia (e não deveu) ser (ou ter sido) ontem mais atencioso para contigo [ED.1, 207, a, obs.].
2.ª) Aparece em lugar do futuro do pretérito para denotar um fato certo como conseqüência de outro que não se deu:
Eu, se tivesse crédito na praça, pedia outro empréstimo.
3.ª) Ainda na referência ao futuro, entra o imperfeito chamado "prelúdico" ou imperfeito dos jogos: então [neste jogo que vamos começar a jogar] eu era o rei e tu eras a rainha [ECS. 1, 207]. [...]»