De facto, há casos que nos fazem pensar sobre o uso deste sinalzinho. Vejamos então:
(a) Furtámos grande quantidade de frutos, não para nos banquetearmos, mas para os lançarmos aos porcos.
Como sabemos, a vírgula é um sinal de separação. Podemos dizer que o advérbio não é uma oração incompleta. Se a completarmos, a separação entre a primeira oração e a segunda é ainda maior. E tanto isto é verdade, que, em vez duma vírgula, pomos um ponto final:
(b) Furtámos grande quantidade de frutos. Não [os furtámos] para nos banquetearmos, mas para os lançarmos aos porcos.
Separámos estes pensamentos com um ponto final, porque eles também se encontram separados em nossa mente. E assim, escrevemos um parágrafo com duas frases.
Em (a), unimos esses dois pensamentos numa só frase. Mas, mesmo assim, mantivemos a separação entre esses dois pensamentos com uma vírgula antes do advérbio não. Foi, no entanto, uma separação menos nítida, porque, para isso, empregámos uma vírgula. Essa separação menos nítida teve como resultado construirmos uma só frase, e não duas, como em (b).
Em conclusão: está correcto o emprego da vírgula antes de não, porque tal separação traduz a realidade do que se passa em nossa mente.
Vejamos o outro caso:
(c) Amei a morte, amei o pecado. Amei, não aquilo que me arrastava, senão a própria queda.
É de regra não empregarmos a vírgula numa oração, quando as palavras se encontram na ordem directa:
- O João viveu sempre com a família nesta casa.
Mas, quando há a anteposição dum elemento dessa oração, marcamos essa anteposição com uma vírgula:
- Nesta casa, o João viveu sempre com a família.
Usamos desta anteposição, quando desejamos pôr em evidência, realçar o conteúdo semântico desse elemento.
É o caso da frase apresentada. O seu autor quis pôr em evidência, quis valorizar o conteúdo semântico de amei.
Se tal intenção não se verificasse, a oração aparecer-nos-ia redigida da seguinte maneira:
(d) Não amei aquilo que me arrastava...