Comecemos por distinguir o que é inato do que é adquirido. Os caracteres inatos dizem respeito à genética, às transformações que se processaram nos nossos genes com a evolução e passaram aos descendentes pelas leis da genética; os adquiridos, à influência do ambiente.
Quanto ao medo, tudo o que possa ser perigoso para a vida é recusado nessas características inatas; no sublinhado por Damásio em homeostasia: a tendência da vida para “persistir e prevalecer”.
Inclui-se, naturalmente, por exemplo, o medo às aranhas, pela verificação da capacidade de imobilização das presas; bem como às cobras, pelo ataque inesperado e pelo veneno de morte.
O medo exagerado, a fobia, não me parece que seja inato, mas adquirido: por experiências traumáticas ou por uma influência formativa nefasta. Pode, também, ser uma deficiência específica mental do indivíduo. Sempre com a ressalva de que haja já no ADN familiar uma mutação persistente que determine essa tendência, então genética.
Não sendo genética, a tendência terá passado de pais para filhos por hábitos familiares; e, logo, será adquirida.
Assim, sugiro para estes casos duvidosos o termo transmitido, permitindo a ambivalência da transmissão inata ou da adquirida. O termo genético representa `normalmente´ uma inevitabilidade inata. Aceito, porém, que especialistas consigam termo mais adequado, o que agradecemos.
Em resumo, esta interessante pergunta, em que, na resposta, me aventurei em campo científico que não é a minha especialidade, serviu só para acentuar como a escolha das palavras adequadas (com essa propriedade) pode ser muito importante num discurso. Se eu disser que numa família o medo “excessivo” às aranhas é genético, espera-se que o próximo membro venha muito provavelmente com essa tara; mas se eu disser que está a ser transmitido, há sempre a hipótese de ficar a ideia de que seja evitável essa transmissão. Uma palavra diferente permite, subtilmente, um cambiante no sentido.
Adequar as palavras ao sentido exato que se pretende dar é uma arte na mensagem. E aproveito para lembrar, no «discurso engenhoso» do P.e António Vieira, a magistral propriedade no seu O Estatuário¹, um encantamento na língua.
¹ Pe. António Vieira, Sermão do Espírito Santo, 1657