A questão colocada é bastante interessante, apesar de não ser claro o contexto textual em que a mesma ocorre.
Não há dúvida de que a segunda oração da frase apresenta uma estrutura sintática conforme a uma oração subordinada adverbial consecutiva; no entanto, o seu valor semântico é causal. A causa e a consequência estão intrinsecamente ligadas.
Analisemos o comportamento da oração:
Como sabemos, as orações subordinadas consecutivas (e as comparativas), embora classificadas como subordinadas adverbiais pela gramática tradicional, não aceitam o teste da mobilidade que caracteriza todas as outras, dado estarem ligadas a um advérbio ou expressão adverbial de intensidade/grau presente na primeira oração, não podendo, por essa razão, serem demarcadas por vírgula.
Vejamos:
(i) «A chuva foi de tal forma intensa que isolou a aldeia.»
(ii) *«A chuva foi de tal forma intensa que isolou a aldeia.»
(iii) * «Que isolou a aldeia, a chuva foi de tal forma intensa.»
Estamos perante uma frase que contém uma oração subordinada adverbial consecutiva: «que isolou a aldeia.» No entanto, poderemos obter uma oração subordinada adverbial causal, invertendo alguns elementos da frase e substituindo o advérbio de intensidade:
(iv) A aldeia ficou isolada porque a chuva foi muito intensa.
Na frase em análise, verificamos que:
1. A frase nos é apresentada demarcada por vírgula.
a) «O avô chegava a mentir, de tanto medo que tinha dela.»
2. A estrutura pode ser anteposta à oração subordinante, bem como pode aparecer intercalada, o que prova que a estrutura aceita o teste da mobilidade, propriedade que as orações consecutivas não têm.
b) «De tanto medo que tinha dela, o avô chegava a mentir.»
c) «O avô, de tanto medo que tinha dela, chegava a mentir.»
3. Admite a coordenação, característica que não é fácil observar nas consecutivas:
d) «O avô chegava a mentir, de tanto medo que tinha dela e de tanto respeito que tinha pela mãe dela.»
Assim, verificamos em 1., 2. e 3. que a estrutura «De tanto medo que tinha dela», apesar de ter uma estrutura interna equivalente a uma oração consecutiva (... tanto .... que), evidencia um comportamento típico das orações adverbiais (demarcação da oração subordinante por vírgula, mobilidade dentro da estrutura frásica e admissão de coordenação), propriedades não observáveis nas consecutivas e nas comparativas. Por outro lado, a interpretação da oração dentro da frase confere-lhe valor semântico de causa e não de consequência. Estamos, portanto, perante uma oração subordinada adverbial causal, parafraseável por e):
e) «O avô chegava a mentir, porque tinha muito medo dela.»
A frase com oração consecutiva canonicamente correta seria f):
f) «O avô tinha tanto medo dela que chegava a mentir.»
É possível que em a) estejamos perante uma liberdade gramatical de f); no entanto, a análise do comportamento sintático equipara-a a uma oração causal.
Referência: Gramática do português, Fundação Calouste Gulbenkian, vol.II, cap.40, Lisboa, pp. 2168-2173.