Muito obrigado pelas suas observações.
Em relação à primeira, não usei na minha resposta as expressões complemento directo preposicionado e objecto directo preposicionado, porque tanto Celso Cunha e Lindley Cintra (Nova Gramática do Português Contemporâneo, pág. 143) como Evanildo Bechara (Moderna Gramática Portuguesa, págs. 418/419) as aplicam aos casos em que o complemento directo é regido da preposição a (Cunha e Cintra, op. cit. pág. 143): «Não amo a ninguém, Pedro.»
Na descrição de verbos que exijam preposição diferente de a, Cunha e Cintra empregam «objecto indirecto», definindo-o como «o complemento que se liga ao verbo por meio de preposição» (idem, pág. 144). Deste modo, segundo estes gramáticos, seleccionam
objecto indirecto verbos como duvidar (de), necessitar (de) e dar (alguma coisa a).
No entanto, este uso de objecto indirecto tem a desvantagem de confundir os chamados verbos de regência (duvidar, necessitar) com os que seleccionam, além de um complemento directo, um dativo, ou seja, um complemento que se refere ao beneficiário da acção («ao João» em «dei um livro ao João»). Deste modo, Evanildo Bechara distingue complemento relativo (op. cit. 419/421) de complemento objeto indireto (ibidem): por exemplo, gostar é determinado por complemento relativo (o termo preposicionado em «Todos nós gostamos de cinema»), enquanto escrever selecciona um complemento indirecto («aos pais» em «o director escreveu uma carta aos pais»; ibidem).
A nova terminologia propõe o termo complemento preposicional para o grupo preposicional que não pode ser substituído pelo pronome pessoal lhe(s) (por exemplo, «o João foi a Coimbra»/*«o João foi-lhe»). Este termo parece-me descritivamente adequado, uma vez que a palavra complemento se usa para referir uma expressão que preenche um argumento interno do verbo («bolos» é complemento em «como bolos», e faz parte do complemento «de bolos» em «gosto de bolos»); preposicional pode, é certo, ser ambíguo, porque um complemento indirecto também é preposicional, mas penso que tal ambiguidade está reduzida ao mínimo (repare-se que, neste caso, Bechara tem uma terminologia mais precisa, uma vez que distingue as duas situações com termos diferentes).
Julgo ter mostrado que, neste domínio, a TLEBS não foi definida arbitrariamente. Por outro lado, aceito que não é uma autoridade em análise gramatical, na medida em que, neste momento, sabemos que a descrição gramatical assenta em modelos do funcionamento da linguagem, isto é, em representações que são falíveis. E, contudo, ela – a TLEBS – existe, está a ser aplicada (aqui haveria muitas considerações a fazer…) e deve ser divulgada, até porque são necessárias correcções.
Não me choca, pois, que, na análise de «gostei de muitos quadros», o consulente classifique «de muitos quadros» como um complemento directo preposicionado, mas permita-me manter a expressão que usei na resposta em apreço.
Quanto à segunda discordância (ver resposta), concedo que classificar «enfadada» como modificador verbal não é muito feliz, pelo que decidi apagar a passagem em que afirmo tal. No entanto, há em Evanildo Bechara (op. cit., 428-431) uma análise do predicativo que pode vir em apoio desta classificação. O gramático brasileiro distingue entre predicativos sele(c)cionados por verbos copulativos (ser, estar, ficar, entre outros) e anexos predicativos. Estes, tal como os predicativos, concordam em género e número com o núcleo a que se referem [sujeito, complemento directo, complemento relativo e complemento indirecto], mas apresentam algumas diferenças (pág. 429), das quais destaco as seguintes (itálico do original a negro):
«[…] d) ao contrário dos outros predicativos, esse determinante não pode ser comutado pelo pronome invariável o, mas por um advérbio como assim:
Ele estudou atento/Ele estudou assim/Ela estudou assim.
A polícia encontrou a porta arromabada/A polícia encontrou a porta assim.
e) essa relação com uma palavra de natureza adverbial (assim) permite a substituição do adjetivo por advérbio, resultando daí orações equivalentes na designação:
Ele estudou atento/ Ele estudou atentamente; O auditório ouviu os conferencistas atento/O auditório ouviu os conferencistas atentamente.»
Poder-se-ia, por conseguinte, dizer que «adormeceu enfadada» é equivalente a «adormeceu enfadadamente» ou, porque este advérbio de modo não me parece aceitável, a «adormeceu com enfado». Sem entrar na discussão do valor adverbial de uma expressão preposicional («com enfado»), sugiro que, de qualquer modo, estamos perante um modificador verbal. Reconheço, contudo, que a correspondência semântica exige uma análise gramatical mais fina, pelo que concordo que é melhor, para já, não descrever «enfadada» como modificador verbal.