Como sabe, não há consenso a respeito da formação do plural das palavras compostas.
A palavra salvo-conduto aparece registada com os dois tipos de plural no Dicionário Novo Aurélio Século XXI (1999), na Moderna Gramática Portuguesa, de Evanildo Bechara (37.ª ed., 1999) bem como no Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea (2001), a que faz alusão. Na Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira, regista-se apenas um plural: salvos-condutos.
No Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, como plural de livre-trânsito, indica-se livres-trânsitos. E as palavras compostas formadas com o adjectivo livre como primeiro elemento surgem, no plural, com esse elemento flexionado.
A formação das palavras compostas coloca dois tipos de problemas: a grafia (justaposição com ou sem hífen e aglutinação) e a formação do plural. Estes problemas surgem porque essas palavras não são simples compostos de dois elementos morfológicos. Segundo Émile Benveniste (Problemas de Linguística Geral), o processo de criação dos compostos provém das construções sintácticas com as suas variedades de predicação, sendo o modelo sintáctico que cria a possibilidade do composto morfológico e que o produz por transformação. A oração, com os seus diferentes tipos, emerge assim na zona nominal, sendo a oração transformada numa palavra composta, decorrendo desse facto as características formais dos compostos e a sua flexão.
Quando a palavra é formada por um adjectivo e um substantivo, como estes dois casos, a tentação é a da atribuição da marca do plural a ambos, visto serem duas classes morfológicas flexionáveis. Como se trata da formação de plural mais simples, é a genericamente utilizada por quem olha para a palavra apenas como um composto de um adjectivo e um substantivo, como se o adjectivo inicial classificasse o substantivo, sem se deter a apreciar o significado de cada elemento e a relação entre eles.
Nos casos que apresenta, é pertinente a análise desses elementos, pois essa opção pode não ser a única ou a melhor. Dois aspectos para reflexão: a formação de cada uma dessas palavras e a anteposição do adjectivo ao substantivo.
Salvo-conduto é uma palavra que provém do antigo italiano salvo-condotto, hoje salva con dotto, registando-se no século XV, em português, a palavra salconduyto. Formada hoje por “salvo” e “conduto”, significa uma condução, um caminho que põe as pessoas a salvo. Não é aquela permissão ou aquela licença ou aquele caminho em si que é seguro (salvo), mas ele permite que as pessoas circulem em segurança, “a salvo”.
Quanto à palavra livre-trânsito, ela tem um processo de formação semelhante ao da palavra anterior. É uma circulação que se processa permitindo que as pessoas fiquem livres de tributos, taxas ou obrigações.
Por outro lado, em português, o geral é o adjectivo ser posposto ao substantivo. Se essas palavras fossem formadas com o adjectivo posposto ao substantivo, não haveria dúvidas de que ele o estaria a caracterizar. Mas, nestes dois casos, os adjectivos antepostos não classificam directamente o substantivo que se lhe segue, nem estão substantivados, como noutros compostos.
Assim, concordo consigo quando diz que a marca do plural deveria incidir apenas no segundo elemento, em qualquer das palavras, com a ressalva de, no caso de livre-trânsito, pelo seu grau de abstracção, se utilizar normalmente apenas o singular.
N.E. O autor escreve segundo a Norma de 1945.