Ponto prévio
Descobrir a origem de uma expressão pode ser tarefa fácil, se ela tiver sido proferida por pessoa de renome, estiver registada ou for recente. No entanto, muitas das expressões que enriquecem a nossa língua permanecem com uma origem obscura, podendo ela vir a ser descoberta na casualidade de uma consulta bibliotecária.
Não sei qual a origem deste termo. Do que li, dou conta aos consulentes.
Significado e conotação
O termo “saco azul” não teve sempre a conotação tão negativa que hoje lhe é atribuída.
Segundo o Grande Dicionário da Língua Portuguesa de António de Morais Silva, de 1949-1958, saco azul era a designação dada ao conjunto de importâncias provenientes de receitas eventuais, sem designação oficial, donde saíam verbas para despesas não previstas, em certos serviços públicos. Como as verbas atribuídas pelo Estado tinham uma grande rigidez de aplicação em rubricas específicas, a existência de um «saco azul» permitia por vezes agilizar o sistema.
Posteriormente, não só em organismos oficiais como sobretudo na escrita de firmas e empresas particulares, o termo ganhou a conotação de dinheiros ilícitos, ou porque provenientes de corrupção ou porque, mesmo não sendo daí provenientes, não eram registados de forma lícita, e apenas um n.º restrito de pessoas sabia do seu montante ou proveniência, não sendo, pois, declarados para quaisquer fins oficiais, nomeadamente os impostos. O seu registo interno, para quem a ele tinha acesso, também era (é) denominado de «Contabilidade Paralela» ou «Caixa 2», sendo este último termo o utilizado no Brasil.
Origem
Primitivamente, o dinheiro era guardado e transportado em sacos. Daí a associação de saco a dinheiro, desde o tempo dos romanos. Em Roma o sacculus (saco para o dinheiro) desempenhava um importante papel na administração pública e era uma das insígnias dos quaestores, magistrados encarregados dos dinheiros públicos, da cobrança de impostos.
O termo «saco azul» relaciona-se com a expressão «contas de saco», que já está registada na 8.ª edição do dicionário acima referido (1889-1891) com o significado de «recebimentos e gastos sem cálculo e sem escrituração». Esta 8.ª edição do dicionário ainda não regista o termo «saco azul», mas a edição de 1949-1958 já regista os dois termos, sendo as «contas de saco» referidas como despesas de que se não toma nota ou gastos de dinheiro sem contar ou recebimentos e gastos sem cálculo.
O facto de o termo «saco azul» já estar dicionarizado pelo menos desde a década de 40 do século XX como relativo às tais receitas eventuais em serviços públicos leva-me a estabelecer uma relação entre o termo «saco azul» e o papel selado (que era azul) ou os livros de contabilidade das finanças públicas que inicialmente também eram azuis.
Talvez a associação seja apenas a da cor (saco azul = que continha dinheiro) ou talvez não.
O papel selado existiu em Portugal desde o século XVII até ao último quartel do século XX. Consistia numa forma de cobrança do imposto de selo. Era um papel que tinha o selo da lei e servia para documentos oficiais, escrituras, certidões, procurações, requerimentos, etc., constituindo uma receita de muito grande montante.
No início (1661), para a administração do papel selado havia na capital um tesoureiro geral e nas províncias os tesoureiros das câmaras que lhe prestavam contas. O papel que sobejasse com selo seria entregue até 15 de Janeiro do ano seguinte em troca de outro do ano corrente. Em 1668 foram abolidos todos os impostos extraordinários, o do papel selado inclusive. Foi restaurado o papel selado em 1797, sendo mais tarde (1802) objecto de alvará e instruções régias.
Criaram-se, então, depositários particulares do papel selado, que o vendiam. Esta receita proveniente da venda do papel selado era legal e objecto de registo, mas era uma receita à parte e os que o vendiam recebiam uma percentagem. O interesse em vender papel selado era grande, e esses depositários do papel selado eram escolhidos, em princípio, pela sua probidade.
Talvez possam interessar alguns dos artigos das «Instruções para regular a forma da Distribuição do Papel Selado, a Arrecadação do seu produto...», aprovadas pelo príncipe regente em 25 de Agosto de 1802, que dizem o seguinte (transcrição com a grafia actual):
«II. O Intendente deve dirigir as Ordens necessárias, para que as Câmaras competentes elejam os Depositários Gerais, que devem ser Pessoas estabelecidas, e residentes nas mesmas Terras, com probidade, e crédito, abonadas e afiançadas pelas Câmaras nomeantes na quantia, que ao Intendente parecer racionável. No caso porém de alguma Pessoa residente nas Terras de Depósitos Gerais, e de cuja probidade o Intendente tenha as necessárias informações, meter no Cofre da Repartição metade do valor da competente fiança, o Intendente prontamente lhe passará sua Nomeação, segundo as Cláusulas expressas na presente Regulação, ficando semelhante Depósito servindo de Fiança, e Abonação.
III. Cada um dos Depositários Gerais deve nomear, e estabelecer dentro do seu Distrito, e em todas as Terras de Auditório (...) um Depositário Parcial que tenha loja de venda pública.
(...)
VII. Aos Depositários Gerais provisionalmente, e em quanto se não regulam seus Prémios, será abonado em o produto do seu consumo, e remessa de dinheiro feito à sua custa, o Prémio de oito por cento, dos quais cinco serão para os Depositários Parciais, e três para os Gerais, o que se entende quando os Depositários Parciais forem nomeados pelas Câmaras.
(...)
XI. Até ao décimo dia do mês sucessivo a cada quartel devem os Depositários Parciais remeter aos seus Depositários Gerais o produto da venda do mesmo quartel, juntamente com uma Conta do Papel existente (...).
XII. Até ao último dia do mês sucessivo a cada quartel devem os Depositários Gerais entrar para o Cofre da Repartição com o produto dos seus distritos, relativo ao dito quartel, abonando-se-lhes o desconto determinado na presente Regulação (...).»