O termo Renascimento designa os séculos XV e XVI da história europeia, altura em que surgiu uma nova concepção de Homem e Natureza, assim como um renovado entusiasmo pela cultura clássica.
A palavra já era usada no Baixo Império Romano e, nessa altura, significava conversão.
No século X, por exemplo, Rutílio Numantino emprega-a para designar todos aqueles que se convertiam ao cristianismo, abandonando os ritos pagãos. Esta acepção manteve-se até meados de quinhentos, embora nesta altura Giorgio Vasari (1511-1574) a empregue em A Vida dos mais ilustres pintores, escultores e arquitectos (c. 1550) para designar as novas ideias estéticas que se opunham às concepções artísticas medievais.
Em pleno Iluminismo o filósofo francês Voltaire (1694-1778) serve-se deste termo para designar uma época histórica, a qual reaparece com idêntico sentido em 1829 numa novela de Balzac (1799-1850).
2.º Contudo, foi o historiador francês Michelet (1798-1874) quem pela primeira vez definiu o Renascimento no plano historiográfico, passando desde então a reportar-se às centúrias da história europeia compreendidas entre os anos de 1400 e 1600. Pouco tempo depois, Jacob Burckhardt (1818-1897) publicou A Civilização do Renascimento Italiano (1860), conferindo ao vocábulo "foros de cidade" nos meios científicos.
Nesta obra já clássica, o historiador suíço dá-nos uma visão algo romântica do Renascimento, mas consegue apresentá-lo como um movimento cultural que estabeleceu a transição do mundo medieval para o moderno, definindo os seus aspectos fundamentais:
- Regresso à natureza - Substituição da concepção teocêntrica pela antropocêntrica. O homem deixa de pensar o universo em função de Deus, tornando-se senhor do seu destino, enquanto a natureza por ele contemplada surge como um ente divinizado.
- Imitação Clássica - Retorno à cultura e civilização clássicas, o que favorece o estudo do grego e do latim, a recuperação do Direito Romano na jurisprudência, o triunfo do "dolce stile nuovo" na literatura, a preferência pelas formas arquitectónicas e decorativas greco-romanas na arte, etc.
- Individualismo
- Colocado no centro do mundo, o homem sente-se orgulhoso das suas capacidades intelectuais e tende a valorizar o espírito de iniciativa de cada indivíduo.
3.º Em História todos as divisões cronológicas são, como é sabido, arbitrárias, e o período renascentista não foge a essa regra. Com efeito, nem todos os intelectuais e artistas que viveram no século XV participaram destas ideias; Sandro Boticelli (1444-1510) e Miguel Ângelo (1475-1564) comungaram dos valores renascentistas, mas Hieronymus Bosch (1460-1516), contemporâneo de ambos, mostra-nos nas suas telas visões terríveis que ainda são tributárias das superstições medievas.
É certo que a partir do século XII assistimos ao triunfo de muitas concepções que depois se tornaram princípios definidores do Renascimento, sendo possível considerar alguns pintores – Giotto (1266-1337) e Cimabue (1240-c1302) – e poetas –Dante (1265-1321) e Petrarca (1307-1374) – verdadeiros precursores dos modelos artísticos e literários renascentistas, mas nenhum dos escritores e artistas do Trecento tem plena consciência da modernidade, ao contrário do que sucede com o humanista Marsilio Ficino (1433-1499) quando elogia a cidade de Florença por haver restaurado as artes liberais, que estavam quase extintas: gramática, poesia, retórica, pintura, escultura, arquitectura, música e as antigas canções da lira órfica.
4.º Com efeito, Flavio Biondo (1392-1463) foi o primeiro a considerar a Idade Média (medium aevum) como um período de mil anos de decadência cultural e artística, embora antes dele Petrarca já tivesse elogiado o esforço dos homens para dissiparem as trevas e voltarem ao brilho puro e prístino da Antiguidade greco-romana. Embora os historiadores da actualidade rejeitem a ideia de uma Idade Média submergida no obscurantismo – pondo em evidência o Renascimento Carolíngio dos séculos VIII-IX, a revolução tecnológica operada no mundo rural no século XI e o consequente renascimento urbano do século XII (decisivo para o nascimento da escolástica e consequente fundação das universidades) –, o certo é que os intelectuais quatrocentistas estavam convencidos disso, considerando o seu tempo como um "novo nascimento", após dez séculos de degenerescência.
Não estavam totalmente equivocados, pois o Renascimento ultrapassou largamente os estreitos limites dos "renascimentos" medievos, conseguindo uma admirável simbiose entre o classicismo e o cristianismo, como se constata, por exemplo, em O Casamento de Arnolfini (1434) pintado por Van Eyck ou em A Primavera (c.1478) de Botticelli. Os estudos do arquitecto Filippo Brunelleschi (1377-1446) sobre a perspectiva centralizada e a proporção comprovam, por seu turno, um aumento apreciável dos conhecimentos matemáticos e geométricos, assim como a descoberta e transcrição de vários manuscritos clássicos por Poggio Bracciolini (1380-1459) e Angelo Poliziano (1454-1494) permitiram um melhor conhecimento das gramáticas grega e latina, tornando possível a edição de textos expurgados dos erros cometidos pelos sucessivos copistas medievos.
Bibliografia em português sobre o RenascimentoJacob BURCKHARDT, A Civilização do Renascimento Italiano, Ed. Editorial Presença, col. Biblioteca de Textos Universitários, n.º 4, 2.ª ed., Lisboa 1983.Jean DELUMEAU, A Civilização do Renascimento, Ed. Editorial Estampa, col. Imprensa Universitária, n.ºs 37 e 38, 2 vols., Lisboa 1984.Eugénio GARIN, O Renascimento. História de Uma Revolução Cultural, Ed. Telos, col. Universitas, 2ª ed.. Porto 1983.