DÚVIDAS

Regência do verbo vencer

Tenho ouvido frequentemente, especialmente agora neste tempo de futebol via TV, os jornalistas e comentadores dizerem sempre a equipa (ou seleccção) Y venceu "à" equipa (ou selecção) Y. Ainda há dias era na SIC Notícias: «Portugal precisa de vencer "à" Sérvia-Montenegro para...».
Obviamente que é errada aquela contracção, uma vez que neste sentido de «ganhar», «levar a melhor» ou «triunfar» o verbo vencer dispensa a preposição a. No entanto, há várias circunstâncias em que essa regência é obrigatória (por exemplo, «Vencemos à tangente»). Ou com outras preposições, como em («Venço-te em inteligência», «venceu nas provas finais»), por («venceu por 5-0», «venceu pela diferença mínima», «vencido pelo cansaço»), com («Venceu a crise com as medidas...») e... há mais?
Dada a confusão instalada, gostava de uma resposta mais aprofundada.
Muito obrigada.

Resposta

A sua análise é bastante completa. Cobre as situações em que o verbo é transitivo directo apenas: «Portugal venceu a crise»; outras em que é transitivo directo e tem mais um complemento (segundo a nova terminologia, estaríamos perante um modificador, pois não me parece que esse “complemento” seja um elemento exigido pela estrutura do verbo): «Venço-te em inteligência»; «Venceu a crise com as medidas...»; outras em que é transitivo preposicionado com diversas preposições «Vencemos à tangente», «venceu pela diferença mínima»; outras, ainda, em que ocorre na passiva, sendo o complemento um agente da passiva: «vencido pelo cansaço». A única situação nova que encontrei aponta a possibilidade de o verbo ser pronominal, com sentido de «ultrapassar»: «Venceu-se o prazo.»

Voltando à situação que descreve, efectivamente, muitas vezes o verbo aparece construído como se se tratasse do verbo ganhar, e, curiosamente, tal acontece apenas, ao que parece, quando o complemento directo é um nome próprio. Quererá isso dizer que o verbo está a adquirir uma nova regência, ou trata-se, apenas de um erro? Em qualquer dos casos, como a comunicação social é o veículo privilegiado da norma, deveria haver algum comedimento no uso de estruturas inovadoras (se esta o é) e muito mais cuidado ainda face a estruturas erradas. É que, para o bem e para o mal, é a comunicação social o exemplo e o veículo por excelência da norma-padrão da nossa língua. Se não a usam com rigor, perde-se um referente único e insubstituível, pela sua frequência e pela facilidade com que invade o espaço de cada um de nós.

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