Algumas palavras, dependendo do contexto, ou seja, da frase em que ocorram, podem pertencer a classes diferentes. É o que acontece com bastante, que pode ser quantificador em frases como «Há bastantes livros nesta biblioteca», mas que é advérbio em frases como «Hoje corri bastante», ou «Esta paisagem é bastante bonita». Compare-se esta última frase com «Estas paisagens são bastante bonitas».
A par desta diversidade, há que reconhecer, parece-me, que os quantificadores são uma área problemática, com situações nem sempre bem esclarecidas na definição que aparece na base de dados de apoio à TLEBS. Acresce a esta indefinição o facto de se tratar de conceitos novos, ou associados a abordagens relativamente recentes, que alteram, de alguma forma, o saber adquirido, pelo que, estou certa, terão um desenvolvimento e serão objecto de maiores esclarecimentos, ou de eventual reformulação aqui e ali.
De qualquer forma, os casos que apresenta podem dividir-se em três aspectos, sem ter em conta o caso de bastante(s) já analisado.
1 – Nenhum é indicado na Gramática da Língua Portuguesa de Mira Mateus e outras, pág. 235, como quantificador negativo, dado que designa um conjunto vazio. Na mesma gramática, alerta-se para o facto de esta classificação não ser consensual, sendo apontados estudos que colocam esta palavra nos quantificadores indefinidos e outros face aos quais estaríamos perante um quantificador universal. Na TLEBS, aparece apenas como pronome indefinido, deixando de fora contextos como «Nenhum livro foi mexido». Partindo daquela classificação, atrever-me-ia a incluí-lo nos quantificadores indefinidos. Alerto, porém, para o facto de não possuir conhecimentos suficientes que validem a interpretação que faço.
2 – Inúmeros, diversos, vários. Opto por agrupar estas três palavras pelo facto de me parecer que em todas elas há, subjacente, uma ideia de quantidade, que justificará a sua inclusão como quantificador indefinido, ainda que apenas vário conste da lista inserida na base de dados de apoio à TLEBS. Isto porque podem ocorrer no mesmo contexto sem grande alteração de sentido, como pode ver-se nas frases subsequentes: «Várias pessoas assistiram ao espectáculo»; «Diversas pessoas assistiram ao espectáculo»; «Inúmeras pessoas assistiram ao espectáculo». Todas estas palavras são classificadas como adjectivos no Dicionário da Academia, embora diverso tenha uma entrada própria como quantificador. Creio que, no caso de inúmero, os dicionaristas aproximaram a palavra do adjectivo inumerável, dando-lhe a mesma classificação. O mesmo terá acontecido com vário, que se aproxima de variado.
Essa divergência poderá causar problemas a jovens com um conhecimento incipiente da língua portuguesa. Nessa situação deverá utilizar-se a definição que mais acessível seja, deixando-se para uma fase posterior a explicitação das várias possibilidades, legítimas, diga-se.
3 – Centenas, milhares. Estas duas palavras são classificadas no dicionário já referido como nomes. Eventualmente, poderíamos considerá-los, como fazem Cunha e Cintra na Nova Gramática do Português Contemporâneo, numerais colectivos. Porém, assumindo que o quantificador tem uma distribuição à esquerda do nome, como os determinantes, eu não consideraria estas palavras como sendo quantificadores, pois não é essa a distribuição que apresentam. Veja-se a diferença entre (1) e (2):
(1) Inúmeros carros circulam na estrada.
(2) Centenas de carros circulam na estrada.
Note-se que em (2) centenas se comporta, efectivamente, como núcleo do grupo nominal a que se associa um grupo preposicional que o complementa. Se, do ponto de vista semântico, palavras como centenas e milhares veiculam uma ideia de quantidade indefinida, do ponto de vista sintáctico não se comportam como quantificadores.