DÚVIDAS

Preposição «a» no acusativo

Em primeiro lugar peço desculpa por ter posto um problema, a meu ver, muito complexo. Sabe-se que em português não se usa a preposição "a" no acusativo. (Excepcão amar a Deus, amá-Lo). A Ana ajudou o Pedro. Mas tenho algumas dúvidas. Por exemplo: Vejo-vos (a?) todos. Porque é que se diz: O Pedro a quem a Ana ajudou… (Claro que se podia dizer: O Pedro que a Ana ajudou…). Mas a pergunta não (?) tem o "a". (A?) Quem ajudou a Ana?

Com este problema prende-se uma outra questão, a saber: como distinguir o "a" (vestígio do acusativo) com o "a" (regência verbal). O verbo pedir pede o acusativo precedido pelo "a". Daí temos: pedir-lhe uma coisa.

A grande consequência deste problema é o uso dos clíticos. Vejam-se os exemplos seguintes: obedecer às pessoas, obedecer às regras, ou seja em dois casos podemos substituir os substantivos pelo "lhes". Mas por que razão tal não é verdadeiro no caso do verbo: sobreviver?. Temos sobreviver-lhe (= sobreviver à pessoa), mas o mesmo não se pode fazer com: sobreviver ao acidente (sobreviver-lhe*). Também é o caso de faltar ao exame, assistir à aula.

Desde já vos agradeço.

Resposta

É vulgar o complemento directo (acusativo) regido de preposição:

1. – Quando o complemento directo é um pronome pessoal tónico, como ele, ela, me, mim, ti, si, nós, vós:

(a) Até parece que amas mais a mim do que a ti.

(b) Ele quer muito a nós e a vós.

2. – Quando o complemento directo é o pronome quem:

(c) És tu a mulher a quem mais amo.

3. – Para clareza da frase:

(d) Convence enfim o pai ao filho. Sem a preposição não sabemos se o sujeito é o pai, se o filho.

4. – Em expressões de reciprocidade, para maior clareza e eufonia:

(e) Cumprimentaram-se uns aos outros.

5. – Com substantivos próprios ou comuns, quando se referem a pessoas ou a entidades da religião, principalmente na expressão de sentimentos:

(f) Devemos amar a Deus e ao próximo.

(g) O dinheiro atrai a pequenos e a grandes.

6. – Em frases de natureza enfática, em que o complemento directo vem no princípio:

(h) A teus pais, nunca desrespeites.

(i) Ao teu próximo, ajuda-o sempre que possas.

7. – Quando o complemento directo é ambos, às vezes seguido de pronome ou de substantivo:

(j) Deu o almoço a ambos eles.

(l) Desrespeitou a ambos.

8. – Quando o complemento directo é um dos pronomes indefinidos seguintes: um, outro, tanto, quanto, todo, ninguém:

(m) Tanto quero a uns como a outros.

(n) A todos eu estimo, e a ninguém odeio.

9. – Emprega-se muito a preposição de em frases enfáticas como as seguintes:

(o) Puxou da faca (espada) arma e matou-o.

(p) O João pegou da serra e cortou a tábua.

10. – Também se emprega a preposição com em frases como as seguintes:

(q) Devemos cumprir com os nossos deveres.

11. – Algumas frases dos jornais:

(r) ... aceitou-o, mas não ao dinheiro.

(s) Assim interpelou Deus a Caim, que acabava de matar o seu irmão.

(t) Ele não ama a nada, nem a ninguém, nem sequer a si mesmo.

(u) Como não poderemos nós sentir-nos alegres, quando seguimos ao Senhor?

(v) Deus abençoou-nos e a eles.

Notas:

1. – É correcta a pergunta: A quem ajudou a Ana?

2. – A preposição a, regendo complemento directo, distingue-se dos outros casos, porque esse complemento directo depende dum verbo transitivo. Às vezes, até podemos suprimir a preposição:

(a) A Maria ama (a) Francisco.

(b) Honra (a) teu pai e tua mãe.

3. – Não é correcto dizer-se «obedecer a pessoa», porque obedecer não é verbo transitivo directo, mas transitivo indirecto, por isso o correcto é «obedecer à pessoa».

4. – Dizemos «sobreviver a/lhe», porque este verbo não é transitivo directo.

5. – O verbo faltar é também transitivo indirecto. Portanto, dizemos «faltar à aula/ao exame, etc.

Se alguma dúvida permanecer, estamos ao dispor.

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