DÚVIDAS

Orações subordinadas ou coordenadas disjuntivas?

Como coordenador editorial de livros, estamos com uma dúvida que não conseguimos solucionar e gostaria de saber se vocês podem nos ajudar. A frase é a seguinte:
«Ele comeu o Fruto do Diabo e, se por um lado virou um incrível homem-borracha, por outro jamais conseguirá nadar.»
A vírgula depois de "e" é procedente? Sei que, para ela existir, a oração principal deve estar após a segunda vírgula (no caso, depois de "borracha"). O problema é que não estou conseguindo identificar qual a oração principal: «se por um lado virou um incrível homem-borracha» ou «por outro jamais conseguirá nadar». A relação de oposição entre as orações não é semântica, ou seja, o fato de ele ter virado homem-borracha não é causador da sua impossibilidade de nadar. Apenas são características opostas: uma é positiva e outra, negativa. Por isso usamos essa construção.
Muito obrigado!

Resposta

Estamos perante uma situação de técnica editorial mais do que perante uma questão linguística.
Em princípio, julgo que não deverá ser feita qualquer alteração ao texto sem autorização ou debate com o autor.
Parece-me que o editor apenas se deve preocupar com a ortografia e com os problemas gráficos. A compreensão do texto pertence aos leitores.
Sob o ponto de vista literário, não há inconveniente nenhum que sejam possíveis várias leituras, visto que é nesse facto que reside um dos encantos da literatura.
Nas gramáticas portuguesas actuais, não se classificam as orações como principais ou subordinadas. A classificação será: coordenadas ou subordinadas.
Analisando o texto, vemos que há três orações: «Ele comeu o Fruto do Diabo», «virou um incrível homem-borracha» e «jamais conseguirá nadar».
A conjunção “e” estabelece a coordenação entre a primeira e as restantes orações, colocando-as portanto ao mesmo nível. O texto contém uma ambiguidade na relação entre as outras orações. Cabe ao leitor decidir se a segunda é subordinada da terceira ou se as orações são coordenadas disjuntivas. Como é evidente, o homem-borracha que jamais conseguirá nadar é um paradoxo.
Como o texto é ficcional, o autor conseguiu transmitir uma imagem incrível ou problemática. Caberá ao leitor escolher.
Estamos nitidamente perante uma questão de estilo. A oposição entre ser homem-borracha e jamais nadar não é dada por uma ou mais conjunções mas pelas locuções “por um lado” e “por outro”.

ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa ISCTE-Instituto Universitário de LisboaISCTE-Instituto Universitário de Lisboa ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa