Depois de termos feito uma leitura atenta ao soneto «Na desesperação já repousava», de Camões, o que nos permitiu fazer uma análise da estrofe sobre a qual nos apresenta as suas dúvidas, concluímos o seguinte a nível da divisão e da classificação das respectivas orações:
Quando ũa sombra vã me assegurava – oração subordinada temporal
Que algum bem me podia estar guardado em tão fermosa imagem – subordinada completiva
Que o treslado na alma ficou – subordinada consecutiva
Que nela se enlevava – subordinada relativa
Verificámos, assim, que nenhum dos dois que (da 3.ª e da 4.ª orações) faz parte de uma locução comparativa, apesar de a presença de tão ter podido induzir a essa hipótese. Tão ocorre nessa frase como advérbio de intensidade – «tão fermosa», gerando uma oração consecutiva – «que o treslado da alma ficou» –, pois «exprime uma consequência de uma qualidade descrita na oração matriz» (Maria Helena Mira Mateus et alii, Gramática da Língua Portuguesa, 6.ª ed., Lisboa, Caminho, 2003, p. 754). Este que inicia, assim, uma oração que está «na dependência de palavras que exprimem a intensidade/quantidade e que, por vezes, coincidem com as que exprimem o grau: tal, tão, tanto, tamanho» (idem, p. 755). Esta oração é, portanto, consequência da carga de intensidade expressa na oração anterior – «que algum bem me podia estar guardado em tão fermosa imagem» – e explícita através da expressão «tão fermosa», o que cria expectativa no sujeito poético, ou seja, gera consequências que, por sua vez, surgem verbalizadas na oração seguinte – «que o treslado na alma ficou».
Não se trata aí, portanto, de uma oração comparativa (pois não há nenhuma ideia de comparação entre dois elementos) ou de uma relativa (pois esse que não se refere a algo ou a alguém), mas de um caso de oração consecutiva, assim confirmado pela «estreita relação entre a expressão de intensidade/quantidade tão», pois «a tradição gramatical considera como consecutivas apenas as orações iniciadas por que na dependência de tal, tão, tanto, tamanho e ainda as orações iniciadas pelas locuções conjuncionais de forma que, de maneira que, de modo que, de sorte que» (idem, p. 754).
Por sua vez, a última oração – «Que (a alma) nela («em tão fermosa imagem») se enlevava – é subordinada relativa, uma vez que este «que» se refere «a alma», à alma do sujeito poético que se enlevava ao pensar «em tão fermosa imagem» («nela», algo que lhe fora assegurado).