Não tenho conhecimento de existir aportuguesamento estável de kosher, forma anglicizada de uma palavra iídiche relativa ao «que está de acordo com a lei judaica (sobretudo no âmbito alimentar)» (Dicionário Priberam da Língua Portuguesa; ver também Dicionário Houaiss).1 Observo também que, como sinónimo de kosher, o Dicionário Houaiss regista kacher2, mas a presença do k torna esta grafia insatisfatória, dadas as restrições ao uso dessa letra na ortografia do português3. E ainda que supuséssemos como adequadas as adaptações gráficas "cóxer" ou "cócher"4, é kosher, em itálico, a forma que os dicionários acolhem.
As outras línguas românicas, pela sua afinidade com o português, poderiam dar algumas sugestões, mas, em relação a kosher, também elas se pautam por uma certa indecisão e alguma diversidade de resultados. Em espanhol, apesar da maior adequação de cócher, recomenda-se kósher por ser grafia mais usada (cf. comentário do Fundéu – Fundación del Español Urgente). Em galego, há quem escreva kóxer, mas nem esta nem outra formas aparecem sancionadas pelo dicionário da Real Academia Galega. Em catalão, atesta-se caixer (Diccionari de la Llingua Catalana do Institut d´Estudis Catalans), mais de acordo com a forma histórica hebraica (ver nota 1). Finalmente, em francês, verifica-se uma grande variação: kasher, casher, kacher, cacher, cawcher, câchère (informação da Wikipédia em francês, s. v. cacherout, com base no Petit Larousse, no Dictionnaire de l´Académie e do Trésor de la Langue Française Informatisé).
Em síntese, embora cóxer e cócher sejam aportuguesamentos possíveis, o certo é que a palavra, que por enquanto não parece muito popular em português, se usa na sua forma estrangeira.
1 O iídiche é a «língua germânica das comunidades judaicas da Europa central e oriental, baseada no alto-alemão do século XIV, com acréscimo de elementos hebraicos e eslavos» (Dicionário Houaiss). A forma kosher provém do hebraico kāshēr, «adequado, próprio».
2 Parece adaptação da forma hebraica mencionada na nota 1.
3 Com efeito, na Nota Explicativa (secção "Outras alterações de conteúdo", 1.º) do Acordo Ortográfico de 1990 (AO 90) pode ler-se o seguinte: «Apesar da inclusão no alfabeto das letras k, w e y, mantiveram-se, no entanto, as regras já fixadas anteriormente, quanto ao seu uso restritivo, pois existem outros grafemas com o mesmo valor fónico daqueles. Se, de facto, se abolisse o uso restritivo daquelas letras, introduzir-se-ia no sistema ortográfico do português mais um factor de perturbação, ou seja, a possibilidade se representar, indiscriminadamente, por aquelas letras fonemas que já são transcritos por outras..» As condições do uso de k, w e y estão definidas na Base I, 2.º e 3.º do AO 90.
4 O Dicionário Houaiss transcreve [´kɔʃɛɾ], com o aberto. Cóxer seria a forma mais adequada do ponto de vista histórico, porque, tradicionalmente, o som associado ao grafema sh corresponde é representado por x (baixo). O ch do português corresponde historicamente à consoante africada não vozeada [tʃ], que ainda se produz nalguns dialetos do português de Portugal (chave = "txave"). A confusão dos sons correspondentes aos grafemas x e ch (depois do século XVII) e a sua neutralização em [ʃ] (hoje, chave soa "xave") levaram a que ch também seja atualmente usado como transliteração de sh.