O tom coloquial atravessa, de facto, este texto de Renato Russo, em que o sujeito poético cria a imagem de uma «fala» em que se dirige a um «tu» (ou antes a um «você») — «Se lembra quando a gente chegou um dia a acreditar». «Quando penso em alguém, só penso em você» — que o escuta e com quem tem o à-vontade de um passado de memórias conjuntas.
Mas o tom do discurso não corresponde a um nível de língua, pois a noção de nível deve ser entendida sempre de acordo com a função básica de qualquer sistema linguístico, a comunicação, em que «cada falante faz as escolhas, de entre as permitidas pelo corpus por si adquirido, que considera adequadas às diferentes situações comunicativas e ao contexto», observando-se que é «a utilização social do sistema linguístico que permite a diversificação da linguagem comum em várias outras separadas entre si por dúbias fronteiras» (Dicionário de Termos Literários). Essa é a razão pela qual se considera como níveis de língua os seguintes — corrente, familiar, popular, cuidado e culto —, não sendo aí incluídas «as variações regional nem literária, a primeira [(regionalismos) por ser fruto de um maior ou menor isolamento de um determinado grupo no interior de uma dada comunidade linguística] e a segunda por se tratar de uma utilização da linguagem com uma finalidade artística e não com uma finalidade prática» (idem).
Uma vez que a composição de Renato Russo constitui um texto poético, parece-nos que estaremos a entrar no domínio das variações literárias, excluídas dos níveis de língua, pois prevalece a finalidade artística sobre a prática/objectiva.
De qualquer modo, e uma vez que não tem sido invulgar que se faça a análise dos níveis de língua dos textos literários, não será, decerto, ilícito consideramos que predominam a linguagem corrente e a familiar, não se verificando marcas do nível culto.
O nível corrente sobressai em grande parte do texto, pois damo-nos conta da presença de «estruturas sintácticas e lexicais que abrangem as várias áreas da experiência quotidiana e [que] são facilmente compreendidas e reproduzidas pelos falantes», tratando-se de «realizações linguísticas que permitem o entendimento geral entre os vários falantes de uma comunidade, independentemente das diferenças socioculturais que os caracterizem». São exemplos do nível corrente os seguintes versos: «Mudaram as estações, nada mudou» / […] eu sei que alguma coisa aconteceu», «[…] nada vai conseguir mudar o que ficou / Quando penso em alguém, só penso em você».
Por sua vez, o nível familiar está presente em muitos momentos, intercalando com o corrente, evidenciando a informalidade de uma realidade marcada pela oralidade, «pela espontaneidade e pelo uso menos vigiado das estruturas sintácticas e lexicais», havendo casos em que «recorre a estruturas que violam a denominada regra» (idem), como podemos verificar em vários excertos: «Tá tudo assim, […] / Se lembra quando a gente chegou um dia acreditar / Que tudo era pra sempre, sem saber, / Que o pra sempre, sempre acaba», «pra deixar».
Não se pode aqui falar de sinais de nível culto, pois não é aí feito «uso de uma linguagem rigorosa, elaborada e por vezes hermética, que se referem a temas considerados eruditos» (idem).