Centremo-nos nos sentidos atribuídos à palavra doença. No Dicionário Houaiss, vemos que o termo doença tem, entre outros, os seguintes sentidos:
«1. alteração biológica do estado de saúde de um ser (homem, animal, etc.) manifestada por um conjunto de sintomas percetíveis ou não; enfermidade; mal; moléstia
2. por extensão: alteração do estado de espírito ou do ânimo de um ser
3. fig.: devoção excessiva; mania; obsessão; vício»
Confrontando as aceções 2 e 3, poderemos concluir que a palavra pode surgir em contextos que não sejam especificamente relacionados com alterações biológicas, sem que, todavia, esse sentido seja obrigatoriamente interpretado como metafórico, pois a metáfora está, habitualmente, inserida nos potenciais sentidos figurados que a palavra adquira.
Importa, porém, realçar que se trata de aspetos relacionados com o valor comunicacional das palavras no qual intervém, de forma relevante, o contexto situacional em que a palavra é utilizada.
De forma a alargar a análise, procurámos ver os sentidos atribuídos ao termo doente e vimos, entre outros:
«2 fig. – que sofre de algum mal físico e/ou moral;
4 fig. – que sofreu um forte abalo (a sociedade anda doente com tanta violência.)»
Se compararmos o sentido 2 do termo doença com o sentido 4 de doente, dir-se-ia que a distinção entre sentido figurado, que aponta para a construção metafórica, e extensão de sentido é ténue. Na aceção 4 de doente destaca-se a abonação: «a sociedade anda doente com tanta violência.», que se aproxima da expressão «doença social» em análise. Se tivermos em conta que essa aceção advém de um sentido figurado, verificamos que se aproxima, efetivamente, do que poderemos considerar um sentido metafórico.
Curiosamente, entre os sinónimos de doença não encontramos patologia, que, intuitivamente, nos parece próxima. Verificando no mesmo dicionário os sentidos de patologia encontramos, entre outros:
«1 - especialidade médica que estuda as doenças e as alterações que estas provocam no organismo
2 – qualquer desvio anatómico e/ou fisiológico, em relação à normalidade, que constitua uma doença ou caracterize determinada doença
3 – por extensão: desvio em relação ao que é próprio ou adequado ou em relação ao que é considerado como o estado normal de uma coisa inanimada ou imaterial»
Quer em doença, quer em patologia poderemos destacar como ação principal uma alteração, ou desvio, face a uma situação, ou estado «ideal».
Esta proximidade entre os termos doença e patologia remete, de certa forma, no contexto em análise, para a expressão «patologia social» da qual se diz, na Infopédia:
«Entende-se por patologia social, em sentido amplo, um estado relativamente prolongado de ausência ou de alteração da normalidade de uma instituição, de uma organização, do sistema económico, do sistema de saúde, do sistema de ensino ou da sociedade em termos globais. Esta não-normalidade sociológica pode ser explicada por diversos aspetos: pela recusa por parte dos atores ou de certos grupos de se orientarem segundo o quadro normativo de uma sociedade, pela fraca implementação do universo normativo ou pela rutura deste.»
Perante o exposto, poderemos concluir que, na fase atual de evolução da expressão «doença social», qualquer tentativa de classificação deve ser, sobretudo, tolerante face a interpretações diversas e admissíveis.
Apontamos por exemplo, uma outra possibilidade interpretativa em que a palavra doença não seria entendida como uma metáfora e sim como um empréstimo, ou catacrese. Neste sentido, perante a necessidade de nomear uma nova realidade recorre-se a uma palavra já existente numa dada área do saber e utiliza-se noutra. No caso em análise, a palavra doença passa a ser recurso não só da área da Medicina, mas também da área da Sociologia.