O provérbio «Não peças a quem pediu, nem sirvas a quem serviu» é enquadrado por José Alves Reis, em Provérbios e Ditos Populares (Lisboa, Litexa Editora, 1996), na área dos «Conselhos», valor que se depreende a partir da utilização do modo imperativo — em «Não peças» e «nem sirvas» — e do tratamento por «tu» (marca de à-vontade, ou mesmo de familiaridade) usado pelo enunciador à pessoa a quem se dirige.
Com este provérbio pretende-se alertar o outro para as humilhações que, decerto, sofrerá por parte de alguém a quem aquele se dirigiu para solicitar algum favor, ou alguma atenção, evidenciando sinais de necessidade ou de dependência. O conselho incide precisamente na particularidade da pessoa a quem é feito o pedido ou para quem se trabalha (a quem se serve): essa pessoa que, hoje, tem uma posição de segurança e de superioridade está marcada por um passado de pobreza, de submissão e de subserviência. Tendo sido alvo de humilhações ao longo de alguns anos, porque se encontrava numa situação de dependência de outros, passa da posição de vítima para a de senhor(a) da situação, sentindo necessidade de fazer sentir ao outro o mesmo por que passou, mostrando prazer em lhe lembrar a sua posição de inferioridade numa relação em que detém o poder, não deixando margem para qualquer tipo de aproximação que possa vir a pôr em causa a distância que quer demarcar, ostentando total repúdio por atitudes de compreensão ou tolerância.
Este provérbio funciona, quase, como um aviso para que ninguém caia no risco de «ficar nas mãos» de alguém que se envergonhe do seu passado de submissão, porque a vingança no outro, que estará à sua mercê, é a resposta que encontra para apaziguar o seu ressentimento para com um tempo passado, mas não ultrapassado. Assim, todo aquele que lhe pede ou o serve confere-lhe o estatuto desejado (e invejado), o do poder, o que lhe dá oportunidade de diminuir o outro, de o inferiorizar, realidade que conheceu e em que quer colocar os outros.