Língua e literatura são realidades distintas. Sobre a especificidade de cada uma, aconselha-se a leitura dos artigos «Língua» e «Literatura» (em que se reflecte sobre a etimologia e a evolução do sentido desta palavra), em E-Dicionário de Termos Literários.
Enquanto a língua é um código fixo e um conjunto de convenções adoptadas por um grupo de falantes de uma determinada comunidade, caracterizando-se por ser de natureza social, a literatura — usando a língua — afirma-se pela riqueza de linguagens, pela subjectividade e pela conotação.
Ora, se o texto literário tem a arte (e o poder) de reflectir a(s) realidade(s) e o(s) universo(s) (re)criados pelo sujeito de enunciação, não há lugar para dúvidas de que representará as diferentes realidades (políticas, sociais, económicas, intelectuais, linguísticas…), deixando marcas das particularidades do espaço, do tempo, da geografia, do ambiente, da cultura, das singularidades de cada região, de cada país, mesmo que a língua seja comum a outros países e a diversos continentes.
A língua encontra-se registada nos dicionários e nos vocabulários ortográficos comuns aos falantes da mesma comunidade linguística — como, por exemplo, a lusófona, mas cada país tem a literatura própria, constituída pelas obras dos seus escritores, em que emergem os seus traços particulares, as suas peculiaridades. Por isso existem as literaturas de língua portuguesa, em que a literatura portuguesa é distinta da literatura brasileira, da timorense, da angolana, da moçambicana, da guineense, da cabo-verdiana, da são-tomense… E o mesmo se passa com as literaturas de língua espanhola, em que a literatura chilena, a argentina, a mexicana se afirmam como distintas da espanhola.
Para que não haja qualquer dúvida, transcreve-se um excerto do artigo «Literatura», do recurso citado:
Enfim, o sentido contemporâneo da palavra se delineia mediante o desdobramento de tendência à especialização dos discursos observável pelo menos desde o século XVII e consumada ao longo dos séculos XVIII e XIX. Tentando agora estabelecer alguma nitidez nesse processo que na verdade é lento e complexo, teríamos: 1 na época moderna, num primeiro momento literatura como corpo de escritos corresponde a um conceito amplo de humanidades, abrangendo pois a produção escrita em geral — filosofia, eloquência, história, ciência, carta, prosa ficcional, poesia; 2 a seguir, ocorre a autonomização da ciência, passando a palavra literatura a compreender um conceito mais restrito de humanidades, isto é, o conjunto dos escritos não científicos; 3 por fim, esse conceito restrito de humanidades por sua vez se fragmenta em três segmentos: filosofia, ciências do espírito (também chamadas ciências morais, políticas, históricas, culturais, sociais, humanísticas e humanas) e literatura stricto sensu (abrangendo a prosa ficcional e a poesia, ou, em termos talvez mais aceitáveis, os gêneros chamados lírico, narrativo e dramático). Se acrescentarmos agora, para concluir, que esse conjunto de escritos líricos, narrativos e dramáticos passa a especificar se segundo as nacionalidades modernas — abrindo se assim espaço para expressões como "literatura portuguesa", "literatura brasileira", "literatura francesa", etc. —, teremos chegado ao centro do significado contemporâneo do termo literatura. […] Quanto ao que chamamos sentidos fixados em usos linguísticos consensuais, limitemo-nos a pouco mais do que ordenar o que se encontra registrado nos dicionários gerais relativamente às acepções da palavra literatura: 1 arte de escrever; 2 conjunto de obras distinto pela temática, origem ou público visado (donde expressões como "literatura infantil", "literatura feminina", "literatura policial", "literatura regionalista"); 3 bibliografia sobre determinado campo especializado de conhecimento (donde expressões do tipo "literatura sociológica", "literatura jurídica", "literatura médica"); 4 expressão afetada, frívola ou sem o senso da realidade (donde frases como: "Tudo o que ele diz não passe de literatura."); 5 disciplina que estuda de modo sistemático a produção literária, segundo recortes e interesses variados (donde expressões semelhantes a "literatura geral", "literatura comparada", "literatura portuguesa", "literatura brasileira").