Apesar da importância do Direito na sociedade romana, não existia, em latim, clássico, nenhum verbo correspondente ao nosso legislar. Para exprimir tal conceito, serviam-se os romanos de várias expressões: leges instituere, scribere, condere, componere.
Quanto aos homens que faziam as leis, ou cuja opinião ou parecer podia constituir força de lei, recebiam estes várias designações, consoante a época e o matiz pretendido: legum auctores («autores das leis»), legum scriptores («redatores das leis»), iuris auctores («autores do direito»), legum latores («estabelecedores das leis»), legum conditores («fundadores das leis»). O termo legum («das leis») é o genitivo plural do substantivo lex («lei»), cujo genitivo singular é legis («da lei»). Em vez de legum lator («estabelecedor das leis»), quem fazia as leis também se designava legis lator, igualmente escrito legislator («estabelecedor da lei»), termo que deu origem a legislador em língua portuguesa. Os poetas serviam-se outrossim do adjetivo legifer, que deu origem ao cultismo legífero em português. Virgílio, por exemplo, chamou legifera Ceres (En. 4, 58) à deusa Ceres.
No que diz respeito à legislação, na época clássica, os romanos exprimiam o conceito simplesmente por leges («leis») ou corpus iuris («corpo do direito»), mas mais tarde, na Vulgata, depara-se-nos o termo legislatio, que deu origem a legislação na nossa língua.
Na ausência de termo específico em latim clássico, as línguas novilatinas valeram-se de dois recursos para formar um verbo que designasse a atividade legislativa. O português, o castelhano e o catalão derivaram o verbo legislar do substantivo legislador, enquanto o francês e o italiano preferiram partir do cultismo latino legifer para formar os verbos legiferare e légiférer, respetivamente. O romeno, possivelmente imitando o francês, formou o verbo a legifera pela mesma via. Já o inglês, língua germânica fortemente romanizada, derivou o verbo to legislate dos substantivos legislator e legislation. Refira-se ainda que, em francês, o verbo légiférer (1840) suplantou o verbo législater (1799), derivado do substantivo législateur.
Quanto a legiferar, verbo derivado do adjetivo legífero, trata-se de um cultismo recente (1913) na nossa língua, que não conseguiu superar o já velhinho legislar (1706). Dele se derivou regularmente o adjetivo legiferante, já dicionarizado. A variante “legisferante” é espúria. Trata-se de uma corruptela de legiferante, sob influência de legislar, legislação e legislador. É tão disparatado dizer “legisferante” como seria, por exemplo, dizer “vocisferante” em fez de vociferante. O facto de legislador apresentar o antepositivo legis-, enquanto legífero exibe o antepositivo legi‑, tem que ver com o processo de formação de palavras em latim.
Enquanto legislator é formado pela justaposição de dois substantivos, estando o primeiro (legis «da lei») no genitivo, legifer é composto de um substantivo (lex) e de um verbo (fero). Neste caso, o substantivo apresenta-se na forma do seu radical (leg), que desempenha a função de prefixo, unido ao verbo por meio de uma vogal de ligação (i). Por isso mesmo, a forma “legisferante” só seria aceitável caso existisse em latim o substantivo *ferans, o qual poderia justapor-se ao genitivo legis. Ora tal substantivo não existe em latim…
Analogamente, dizemos jurisconsulto, mas jurídico (e não “jurísdico”!), pelo mesmo motivo. Em latim, iurisconsultus é formado pela justaposição de dois substantivos, estando o primeiro (iuris «do direito») no genitivo, enquanto iuridicus é formado a partir de um substantivo (ius) e de um verbo (dico). Neste caso, mais uma vez, o substantivo apresenta-se na forma do seu radical (iur), que desempenha a função de prefixo, unido ao verbo por meio de uma vogal de ligação (i).
Já no século XVIII, quando se sabia muito mais latim do que atualmente, se confundiam por vezes os dois sistemas de derivação, o que explica a forma errónea légisférer em francês, atestada em 1796 e suplantada pela forma correta (légiférer) em 1840…