O termo justificado está já de tal maneira vulgarizado, que me parece difícil substituí-lo por ajustado, como propõe o consulente. Não quero dizer com isto que seja impossível adoptar ajustado. Pode alguém ou um grupo influente considerar que ajustado é que é o termo preferível, e o uso mudar, porque se concorda que a palavra é semanticamente adequada ao conteúdo que se representa lexicalmente ou simplesmente por um comportamento de “ajustamento” sociolinguístico («parece mal usar “justificado”, o melhor é empregar “ajustado”) . No entanto, considero que não me cabe a mim decretar que uma forma seja melhor que a outra, porque não vejo razão para tal. Justified tem, em inglês, para além das acepções de «justificar», «explicar», as de «enquadrar», «centrar», as quais se atestam desde o século XVI («to make exact», isto é, «tornar exa(c)to»; ver Online Etymology Dictionary).
O novo uso de justificado é, de fa(c)to, um empréstimo semântico, uma vez que a uma palavra já existente em português se deu um significado que era característico da forma cognata (que evoluiu da mesma origem) em inglês. O sentido que justificado adquire por influência do inglês constitui, assim, um “decalque” ou tradução literal, de acordo com o que Margarita Correia e Lúcia San Payo de Lemos explicam em Inovação Lexical em Português (Lisboa, Editora Colibri, pág. 56).
Note-se, por último, que no Brasil justificar está já dicionarizado com esta acepção: «transitivo direto Rubrica: artes gráficas. compor (as linhas de um texto) na mesma medida, com alinhamento à esquerda e à direita, aumentando ou diminuindo os espaços entre as palavras e letras se necessário; blocar (termo brasileiro: “compor”». Pode também ser usado alinhar (Dicionário Houaiss):
«transitivo direto
9 Rubrica: artes gráficas.
fazer que (as letras) fiquem dispostas por igual sobre uma reta ideal que passa pela sua base
transitivo direto
10 Rubrica: artes gráficas.
ajustar (letras, ilustrações, claros, fios, tarjas etc.) em relação a linhas imaginárias ou a quaisquer outros elementos gráficos, na diagramação»
Em relação a “por defeito”, é também tradução literal da expressão inglesa “by default” (atestada desde 1966 na linguagem informática, segundo o Online Etymology Dictionary). Supondo que as outras línguas românicas pudessem dar uma ajuda, procurei em páginas da Internet e em dicionários, mas depressa cheguei à conclusão de que em castelhano se usa “por defecto” (Diccionario del Estudiante Real Academia Espanhola, 2005); em catalão, “per defecte” (TERMCAT – Centre de Terminologia Catalana), em francês (do Quebeque), “par défaut” (Grand Dictionaire Terminologique Québécois – Office Québécois de la Langue Française). O que significa exactamente “by default”? Segundo o Collins Cobuild English Language Dictionary, a expressão é relativa à ocorrência de acontecimentos ou resultados que podiam ter sido impedidos por outra coisa qualquer que acabou por não se verificar.
A expressão por norma poderia traduzir de alguma forma a ideia daquilo que acontece normalmente, se não intervierem outros factores, o que me parece muito próximo do significado do neologismo “por defeito”. O Diccionario del Estudiante da Real Academia Espanhola atribui a “por defecto” a acepção de «automaticamente». Esta poderia ser a solução, isto é, considerar automaticamente como tradução possível de “by default”. Sucede, porém, que automaticamente e automático são palavras usadas correntemente e às quais pode faltar alguma precisão.
Voltaríamos assim a por norma, mas conseguirá esta expressão dar conta do processo através do qual um programa assume um dado valor ou uma dada operação, se não houver outra instrução em contrário? Uma outra solução é a do Dicionário Houaiss Eletrônico, que regista “default”, traduzindo-o por «padrão» e remetendo-o para os verbetes de valor padrão e parâmetro padrão. Estes termos são usados em informática, sendo o primeiro definido como «valor adotado por um aplicativo para um parâmetro, quando o usuário se abstém de definir o valor a ser utilizado» e o segundo, como «parâmetro adotado por um aplicativo, quando o usuário se abstém de selecionar o parâmetro a ser utilizado» (idem). Sendo assim, é possível criar as expressões «por valor-padrão» e «por parâmetro-padrão» (opto pelo hífen, uma vez que o substantivo padrão surge aqui como especificativo de outro substantivo).
Finalmente, sei que se está a intensificar o uso de uma outra expressão, «por omissão», que traduz o reverso de «por valor-padrão» ou «por parâmetro-padrão».1 Com efeito, parece-me que, no contexto da informática, há uma omissão, quando um usuário não faz nenhuma escolha a respeito de valor ou parâmetro. Nesse caso, «por omissão» será abreviar a expressão «por omissão de outro valor/parâmetro que não o padrão», e, na prática, o mesmo que «por valor-padrão».
1 Agradeço ao consulente André Morais (Lisboa, Portugal), que é analista de sistemas, a observação feita sobre o emprego desta expressão.