1 – Como muito bem refere, de todos os sinais auxiliares de escrita, o hífen é de mais difícil emprego, tão complexas e contraditórias são as suas regras. Complexas, contraditórias e, em grande parte dos casos, obsoletas. Basta recordar que a nossa ortografia data de 1945.
Já nessa altura havia algumas dificuldades no emprego do hífen. Daí para cá, entraram no português corrente muitas palavras compostas e outras que se aceitaram como compostas. Por outro lado - como recorda o dr. José Neves Henriques, a quem recorri para melhor responder ao estimado consulente Augusto Tomé –, nas palavras compostas há os prefixos, como pre-, re-, e elementos que, verdadeiramente, não são prefixos mas que muitos interpretam como sendo.
É o caso, precisamente, do agro-: agro-, do latim «agru(m)», campo, e mini-, do latim «minimu(m)», mínimo. Nem sempre o emprego do hífen é tratado do mesmo modo quando temos um prefixo ou um elemento da composição que não é prefixo.
José Neves Henriques chama ainda a atenção para o seguinte: «Os nossos prefixos provêm de preposições e de advérbios latinos ou gregos, e não de adjectivos, como mini- nem de substantivos, como agro-. E, como estes, há muitos. O último acordo ortográfico trata deste particular, mas ainda não entrou em vigor.»
2 – São estas as razões de tantas disparidades e incongruências, como as assinaladas pelo consulente Augusto Tomé. A começar no caso dos prefixos, como circum-. Circum- leva hífen antes de qualquer vogal, anti- só leva antes do i, enquanto o prefixo ante- dispensa, pura e simplesmente, o hífen antes de qualquer vogal. E por que é que se escreve aeroespacial (sem hífen entre o prefixo aero- e o adjectivo espacial) e já há hífen com o prefixo auto- antecedido de vogal (auto-estrada)?
Quanto aos adjectivos agro- e tele- são também díspares os critérios recolhíveis. Ou prevalece a regra que manda colocar o hífen nos «compostos formados por elementos de natureza adjectiva terminados em "o", ainda que o primeiro elemento se apresente com forma reduzida» [agro-pequário, tal como físico-químico ou, por analogia, político-social]ou o composto já é considerado com identidade semântica própria e consensual, estando já dicionarizado sem hífen (no Brasil, nomeadamente):a agroindústria, a agropequária; a geoestratégia e a geopolítica; a psicossociologia, um psicodrama; o teleteatro, os telespectadores, telerregiões, etc., etc.
Em Portugal, a mais recente edição do Dicionário da Porto Editora regista agro-indústria e agro-pequária (com hífen, portanto), mas, em contrapartida, recomennda que se grafe sem hífen, por exemplo, agroquímico e teleimpressor...
Já em relação a mini-, esta segunda "escola" vem prevalecendo de um lado e de outro do Atlântico: miniconcurso, minifúndio, minimercado, minissaia (embora muitos, em Portugal, prefiram ainda mini-saia, como há ainda quem escreva "bi-sexual" em vez de bissexual). E se minissaia se encontra consignado no vocabulário comum (no Brasil e menos em Portugal), por que não máxissaia?
3 – Repete-se: na falta da desejada simplificação de regras que levam já meio século de convenção luso-brasileira - um capítulo que reunia muito das expectativas de quantos defendiam e defendem um novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa -, corremos todos o risco de algum subjectivismo e uma margem maior de erros. Foi o que me aconteceu na elaboração do citado Glossário. Feito para o jornal "Público", já lá vão nove anos, sofreu entretanto a necessária adaptação para ser incluído no Ciberdúvidas, aquém, mesmo assim, do desejável.
É o caso de uma série de gralhas e imprecisões, como as que o estimado consulente aponta a propósito da entrada geral HÍFEN, e se agradece desde já a atenção. Com a devida "mea culpa", fica então aqui a indispensável rectificação. Assim:
1) Circum- leva hífen antes de vogal, h, m ou n: circum-escolar, circum-hospitalar, circum-murado, circum-navegação; mas: circunjacente, circunvalação.
2) Com- mantém o hífen antes de vogal ou h: com-aluno, com-hospedado; mas: comproprietário, condomínio.
3) Sob-, com hífen, se o segundo elemento começar por b, por h ou por um r que não não se liga foneticamente ao b anterior:
sob-barba, sob-roda; mas: sobdominante, sobmediante.